A nova Intifada silenciosa

Ramallah, Cisjordânia. Um grupo de jovens palestinianos envolve-se em confrontos com soldados israelitas fortemente armados. Às pedras que atiram opõe-se armamento de guerra moderno. De repente, parte do grupo que atirava pedras volta-se de costas para as tropas israelitas. Aqueles que pareciam palestinianos em protesto contra quase setenta anos de repressão violenta empunham agora armas e procuram deter aqueles que os julgavam seus companheiros. Dois palestinianos não conseguem escapar. São espancados e baleados pelos agentes à paisana e, logo depois, pelos soldados que se aproximam.

Os outros manifestantes fogem do local, afugentados pelos tiros daqueles que ainda trazem à volta da cara o keffiyeh tradicional dos povos árabes da região. É por isso ao longe que observam a brutalidade que desta vez foi fotografada e filmada bem de perto por jornalistas. [1]

Israel já não esconde nem lamenta a brutalidade com que desde 1948 trata os árabes que habitam o território que reclama como seu. O mundo comove-se, mas pouco. A indiferença face ao sofrimento alheio é imagem de marca de um ocidente que, de forma indisfarçável, pondera de forma diferente a vida humana de acordo com critérios étnicos, religiosos e ideológicos. Israel pertence ao bloco político-militar ocidental, pertence "aos nossos". E os nossos, as "democracias europeias e ocidentais", têm as mãos tintas de sangue palestiniano. Na década de 30 do século passado foram os britânicos a impor ordem na Palestina através do esmagamento da revolta árabe de 1936-1939, um banho de sangue que afectou cerca de um décimo da população árabe masculina (mortos, feridos, presos ou expulsos do território).

Aqueles que em Ramallah detiveram e espancaram os dois palestinianos detidos não se deram ao trabalho de guardar para momento posterior a violência extrema que fazem recair sobre árabes de todas as idades. Ao disparem armas de fogo sobre dois manifestantes indefesos e desarmados, selvaticamente espancados por mais de uma dezena de soldados e agentes à paisana, as forças de segurança israelitas reafirmaram a sua indiferença não só relativamente à vida daqueles com quem partilham a terra mas também face à possibilidade das imagens recolhidas por jornalistas presentes percorrem o mundo, denunciando um genocídio palestiniano que leva quase 70 anos de duração.

Pedras contra canhões. A desproporção militar entre as partes em conflito é tão gritante quanto aquela que existe no plano informativo e mediático. Os acontecimentos de Ramallah foram quase totalmente silenciados, o que de resto não é novo. No seu muito aconselhado blogue o jornalista José Goulão escrevia há semanas que "A Nakba, a catástrofe do povo da Palestina, segue o seu caminho sinistro" [2]. Trata-se de uma catástrofe silenciada e consentida por quem prefere voltar as costas às desagradáveis imagens que vão circulando mas chamadas redes sociais. Israel agradece a indiferença. O aniquilamento do povo palestiniano segue dentro de momentos.


Notas:
[1] "Israel plants armed 'stone throwers' among Palestinian protesters". Electronic Intifada, 07.10.2015.
[2] "Uma bandeira virtual", blogue Mundo Cão, 13.09.2015.
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