Os "maluquinhos" entre nós

A doença mental é o patinho feio de entre todo o tipo de enfermidades que ao longo da vida – de forma consistente ou passageira – podem afectar um ser humano. Reparem: eu não estou a dizer que as doenças mentais são piores do que outras que, afectando o funcionamento psíquico do ser humano, têm origens físicas. Há doenças tramadas por aí e a forma como cada ser humano as enfrenta é todo um outro debate relativamente ao qual não me sinto preparado nem, com toda a franqueza, interessado. O que aqui escrevo é diferente: a doença mental é em regra incompreendida e desvalorizada pelo comum dos mortais; consequentemente, aquele que se vê a braços com uma condição psicológica alterada sente-se não raras vezes sozinho e desacompanhado num dia-a-dia martelado pelas circunstâncias da doença que o afecta.

Num mundo em que a depressão se institucionalizou não é raro ouvir quem não a sente menorizar o sofrimento de quem nela se encontra mergulhado. Situações como a bipolaridade são caricaturadas por quem dela não tem noção alguma – “fulano tal é bipolar, só pode…” – e outros estados profundamente debilitantes não apenas são incompreendidos como tendem a ver-se encaixados na secção dos comportamentos a que comummente chamamos “manias”.

A minha formação académica é em Psicologia e talvez por isso não seja capaz de afirmar que quem nunca viveu uma situação de desestruturação psicológica mais ou menos grave não é capaz de a compreender. O que por outro lado me parece evidente é que mesmo aqueles que, técnica e teoricamente preparados para compreender a doença mental, se nunca a viveram apenas podem sobre ela especular com base em observação empírica e leitura de artigos científicos. O mais bem preparado dos psicólogos pode compreender os elementos dispersos e a condição global de um doente que acompanha. Mas apenas pode especular sobre a dor – essa dimensão subjectiva da doença – que esse mesmo doente sente.

A internet está cheia de artigos sobre a doença mental e os seus efeitos (frequentemente devastadores) no ser humano. Existem muitos textos, vídeos e gravações áudio com os mais brilhantes estudiosos do tema a discorrer sobre a relação entre dor psicológica e dor física, entre doença mental e disfunção relacional, entre transtornos e perturbações parciais ou globais da personalidade e as mais diversas consequências para o dia-a-dia daqueles que as enfrentam dentro de si. Quem quiser saber mais sobre o assunto tem à sua disposição muitos recursos cheios de qualidade.

O que nenhum artigo científico poderá alguma vez substituir é o testemunho directo e na primeira-pessoa daqueles que a sociedade ainda olha como “maluquinhos”. Os “maluquinhos” são na maior parte dos casos pessoas como qualquer outra, aparentemente normais, que vivem dentro de si frequentes tremores de magnitude máxima. Que os vivam e, simultaneamente, procurem levar uma vida pessoal, social e profissional o mais normal possível deveria constituir para aqueles com quem partilham os seus dias motivo de admiração.

O vídeo que vos deixo é um testemunho que já vi e revi algumas vezes, em todas elas sem conseguir conter as lágrimas. Quantas/os Julias Britz [1] vivem silenciosamente ao vosso lado sofrimentos desta dimensão? E o problema, é só delas/es?




Notas:
[1] My OCD Diary [blogue]

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