Bernie e o Caucus
O DN dedica hoje uma peça ao candidato independente Michael Bloomberg, putativo candidato a candidato democrata à presidente dos Estados Unidos da América. Nessa peça é referido Bernie Sanders, relativamente ao qual escreve o DN que "foi segundo no caucus do Iowa e primeiro nas primárias de New Hampshire". Reparem: "caucus do Iowa" e "primárias de New Hampshire". Confuso?
A confusão é natural. O sistema eleitoral norte-americano é absurdo, tanto ao nível partidário como federal. Bastará dizer que Trump foi eleito presidente com menos votos que Hillary Clinton (diferença de não desprezível meio milhão de votos...) . E que não foi o primeiro - longe disso - a beneficiar de um sistema de eleição não directa que secundariza o voto popular.
Sanders foi o candidato democrata mais votado nos dois estados onde já se realizaram os processos eleitorais relativos às primárias democratas. Só que o voto popular não é o único indicador para a eleição de delegados à convenção do partido e por isso - apesar de ter obtido mais votos que Pete Buttigieg, 45.831 (26.5%) contra 43.273 (25.1%) - Sanders foi "segundo" em "SDEs" - 26.18% contra 26.19% - e por isso elegeu 12 delegados contra 13 do seu adversário.
Em New Hampshire, onde em 36 candidaturas houve quem não passasse dos 8 votos, a votação voltou a ser apertada mas menos equilibrada. Sanders obteve 76.352 votos (25.6% e 9 delegados) contra os 72.443 (24.3% e 9 delegados) de Buttigieg. E por isso, contas feitas e somados os votos das primeiras eleições (Iowa e New Hampshire), Sanders obtém mais votos (122.183 contra 115.716) mas menos delegados (21 contra 22).
Segue-se o estado do Nevada, que elege 36 delegados e depois a Carolina do Sul, que elegerá 54. Depois, a 3 de Março, dá-se a "Super Tuesday" que envolve quinze estados e 1.344 delegados. Tudo em aberto, portanto.
Para já não deixa de ser curioso verificar duas coisas simples: a bizarria da distribuição de delegados patente na contradição entre voto popular e eleição de representantes no que se refere ao Iowa; e a opção do DN ao afirmar que Sanders foi "segundo" num Estado onde venceu os votos depositados na urna.
Não sou apoiante declarado de Sanders. Em anteriores eleições acompanhei com atenção as candidaturas de Jill Stein (em 2020 não passou dos 58.417 votos depois de em 2012 ter chegado aos 469.627) e de Ralph Nader (que em 2008 registou 739.034 votos). Mas diverte-me a alergia que o seu programa social-democrata (que na Europa nunca seria considerado "radical" provoca numa parte considerável da sociedade norte-americana e no interior do Partido Democrata). De resto parece-me que as principais propostas do seu programa são de uma razoabilidade inquestionável, que nem os mais situacionistas deste lado do Atlântico etiquetariam como "revolucionárias".
Sanders presidente seria um acontecimento de uma magnitude praticamente sem precedente nos últimos 30 anos da política norte-americana e uma lufada de ar fresco de que o mundo precisa com urgência. Será que o sistema permitirá a concretização da possibilidade muito mais do que meramente teórica da sua eleição?
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