O futebol na URSS da Grande Guerra Pátria
Os povos da ex-URSS celebram a 9 de Novembro o chamado "Dia da Vitória" (Den Pobedi, День Победы), o dia em que os nazis assinaram a rendição incondicional e colocaram fim a anos de violência, ocupação, extermínio e exploração. A guerra de 1941-1945 ceifou mais de 20 milhões de vidas soviéticas, metade das quais civis, e submeteu o povo da URSS a quatro de sacrifícios, sofrimento e resistência.
O futebol, que era popular na URSS no momento da invasão alemã, ficou oficialmente suspenso quando as tropas alemãs cruzaram a fronteira soviética e apenas depois da guerra o campeonato soviético foi retomado .Durante os anos da guerra foram disputados jogos e provas secundárias (nomeadamente em Moscovo, a capital que nunca foi tomada pelos nazis), incluindo partidas históricas como aquela realizada a 2 de Maio de 1943, na Estalinegrado libertada, ou nos territórios ocupados o célebre "jogo da morte", realizado em Agosto de 1942, e que colocou frente a frente o FC Start, misto de atletas do Dynamo de Kiev e do Lokomotiv de Kiev, e o Flakelf, a equipa da Wermacht composta por jogadores profissionais enviados para a frente de batalha, e que era supervisionada por Goëring, um dos dirigentes fascistas do círculo mais próximo de Hitler.
O mais enigmático dos jogos durante a grande guerra patriótica deu-se todavia em Leninegrado durante os 900 dias de cerco.
A 31 de Maio de 1942 as equipas do Dynamo de Leninegrado e de uma unidade industrial da cidade (a Nevsky Zavod, na qual alinhavam elementos de Zenit) entraram em campo para 90 minutos de pura diversão, num acto de resistência ao assédio militar e à propaganda fascista que, despejada sob a forma de folhetos sobre a cidade, afirmava ser Leninegrado uma cidade-túmulo, sem outras perspectivas que não a fome e a morte.
O jogo realizou-se num relvado de treinos do Dynamo já que o principal e o secundário se encontravam fortemente degradados pelo efeito dos bombardeamentos alemães.
Da frente de batalha chegaram alguns dos principais craques do período anterior à guerra, agora transformados em comandantes militares, comissários políticos, snipers, soldados de infantaria, médicos e marinheiros.
Na ausência de guarda redes a equipa dos "operários" fez alinhar à baliza Kurenkov, defesa do Zenit que em 1944 levantaria a Taça da União Soviética. Mas em 1942 pouco importava. Era o jogo, muito mais do que o resultado, o aspecto verdadeiramente importante na vida de uma cidade cercada e submetida a violências que poucos povos enfrentaram ao longo da história da humanidade.
Sobre o jogo escreveria N. Svetlov, ex-jogador do Dynamo:
"Nunca esquecerei o dia em que ouvi um relato a partir do Estádio do Dynamo quando me encontrava nas trincheiras do pântano de Sinyavinsky, a apenas 500 metros dos alemães. A princípio não acreditei e corri até ao operador de rádio que me confirmou: estavam mesmo a jogar futebol. O que isso fez pelos combatentes! A melhoria na moral foi tão grande que se nesse momento tivesse sido dada ordem para atacar os alemães nas suas trincheiras eles teriam sofrido bastante!"
O futebol é pródigo em contradições. Se em tempos de paz assume por vezes a função de anestesia que acalma e reprime as justas reivindações dos pobres e dos humildes, em tempo de guerra pode aparecer aos olhos dos combatentes como uma réstia de esperança, como um sinal de que melhores dias poderão chegar.
Foi assim em Maio de 42, na cidade heróica de Leninegrado.
‘Game of Life’: Even during horrors of Leningrad Siege, there was still a place for football pic.twitter.com/FFBTtBOMiP— RT (@RT_com) June 18, 2017
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