Do "futebol" nas televisões (i)

A SIC Notícias (SicN) vai descontinuar da sua programação os conteúdos centrados na opinião de adeptos de clubes - enfim, de três clubes - procurando assim afastar-se da natureza tóxica do formato. Eu percebo que os custos de reputação associados aos sucedâneos - refiro-me aos programas, deixo de lado as pessoas que os protagonizam - de "Os donos da bola" são imensos. Mas não basta afirmar "vamos corrigir", era importante reconhecer que o problema tem na SIC um dos principais responsáveis. Fazer mea culpa.
Infelizmente, a única pessoa que veio reconhecer incapacidade para contornar os vícios deste estilo de painéis foi o Vasco Mendonça. E eu, que acompanho o seu percurso público - enfim, as suas intervenções que são do domínio público - há uns tempos aproveito a deixa para chegar à conclusão mesmo antes do terceiro parágrafo: o problema deste formato, muito mais do que as pessoas que neles participam, é a armadilha que o próprio (formato) representa.
Duas horas semanais de debate exclusivamente protagonizado por adeptos de três clubes que não obstante diferenças imensas têm muitos interesses comuns - desde logo o da divisão do poder absoluto do desporto (não apenas do futebol) em Portugal - é meio caminho andado para que a conversa se vá progressivamente afunilando no acessório, que são as expressões diversas da relação estabelecida entre os referidos emblemas.
A inteligência e a vontade dos participantes não é indiferente, mas é secundária perante a força da armadilha. O formato não permite posturas tranquilas, e quando estas existem são expurgadas. Veja-se o caso de Júlio Machado Vaz, cuspido do "Trio de Ataque", programa da televisão pública.
Os painéis de adeptos continuarão a existir para quem os quiser ver. Eu dispenso e sei que há uma quantidade enorme de adeptos de futebol - incluindo aqueles que são a maioria: benfiquistas, portistas e sportinguistas - que procuram conversas diferentes, olhares originais, dinâmicas construtivas e polémicas não artificiais.
A pandemia trouxe consigo poucas novidades, digo eu, mas de entre essas poucas há uma importa sublinhar neste debate: os podcast e os debates em streaming nas redes sociais explodiram, multiplicaram perspectivas, contornaram a falta de representatividade dos painéis "oficiais". A televisão ainda manda, mas manda hoje um pouco menos, e isso é incrível. A SicN percebeu-o, creio eu. Espero que tenha percebido também o porquê dessa alteração.
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