A desumanização da bancada

Os últimos 13 meses alteraram profundamente a forma como as pessoas passaram a interagir entre si. É aliás curioso que a ideia de "distanciamento físico", comprovadamente eficaz na contenção da propagação do "Sars-Cov-2", tenha sido reiteradamente designada como "distanciamento social".

Este alteração afectou, numa magnitude ainda por definir e avaliar, a relação das pessoas entre si e das pessoas com as instituições, incluindo aquelas que até Março de 2020 faziam parte do seu dia-a-dia. Instituições associativas, por exemplo, como os Clubes desportivos.

O Clubes, que durante décadas cumpriram um papel delegado pelo Estado - o de promover a prática e a formação desportiva - viram-se de súbito obrigados a fechar portas, reformular rotinas de treino e a perder, sem grande capacidade de reverter a situação, dezenas de milhares de praticantes e associados. As suas secretarias encerraram, os seus espaços de prática desportiva sofreram fortes limitações de acesso e os seus espaços habituais de convívio - desde logo "a bancada" - são hoje uma memória mais ou menos longínqua.

O que isto determinou foi a substituição de um espaço fundamental de socialização - a bancada - por um outro universo de socialização que, apesar de 'ter sempre existido' e assumido importância, não era ainda dominante na capacidade de condicionar a formação de opinião e o sentimento de identificação das pessoas face ao seu Clube, à sua actividade (ainda que limitada) e às circunstâncias da mesma.

A bancada continua a existir, mas deslocou-se para o "espaço virtual" e passou a padecer dos males e dos piores vícios da "interação" mediada pela tecnologia. No fundo, a bancada desumanizou-se porque aquilo que a tornava verdadeiramente humana, enquanto bancada, era a dinâmica colectiva que as pessoas - e sublinho pessoas - criavam nesse espaço de socialização. Neste momento, quem comanda a dinâmica "da bancada", condiciona fortemente a formação de opinião sobre os vários temas que nela são debatidos. É assustador porque num contexto de "rede social" a capacidade de esclarecer e contrariar boatos, insinuações e inverdades é infinitamente menor do que a habilidade para os e as promover.

A bancada virtual é composta por pessoas, naturalmente. Mas na "rede social" a relação desumaniza-se, torna-se muito mais bilateral e é, apesar de tudo, estabelecida entre "utilizadores", como avatares com um ser humano que os comanda. Esta alteração não deve ser ignorada nem desvalorizada por quem gosta verdadeiramente do associativismo. Tão pouco por aqueles que têm a obrigação, porque para isso foram eleitos pelos seus pares, de proteger a associação de um processo de "desumanização da bancada" que está em curso.


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