A caixa colorida [*]

Sendo certo que redes sociais e a programação "on demand" são desafios que a televisão ainda não foi capaz de resolver completamente, não é menos certo que em países como Portugal esta mantém uma importância esmagadora como meio de difusão e promoção massificada de mensagens diversas, incluindo comerciais e/ou políticas.

É por isso que, no contexto do debate político, assume enorme relevância para o regime um apertado controlo sobre formatos e conteúdos, protagonistas e respectivas intervenções. A televisão parece diversa mas na verdade as vozes que promove e difunde são em regra as mesmas. A ausência de renovação e de rotatividade de comentadores (isolados ou "em painel") é bem a imagem de um país mediático controlado, homogeneizado e fiel aos princípios fundamentais do sistema. Marcelo Rebelo de Sousa foi, durante anos e anos, o principal rosto desta lógica pouco democrática.

Ao longo dos muitos anos que passou na televisão, revelando-se verdadeiro especialista em generalidades, "o Professor" dispôs de um palco mediático único em condições ímpares. E é por isso que a bem disseminada percepção acerca da genialidade de Marcelo nasce da simples e rara circunstância de ter ocupado um espaço de comentário político num canal de sinal aberto e em horário nobre durante longos anos sem ter sido sujeito ao mais elementar contraditório. A hora de comentário político de Marcelo foi-se tornando entretenimento puro, produto de consumo de massas menos distante do estilo "reality-show" do que se possa pensar.

O tabu que criou em torno da sua mais do que evidente candidatura presidencial permitiu-lhe esticar até ao limite do formalmente aceitável uma situação que se revelava desde há muito politicamente inaceitável. Marcelo fazia de conta que ainda não era candidato à presidência, e por isso ia falando na televisão sem ninguém capaz de lhe dar réplica à altura; a TVI fazia de conta que não sabia que Marcelo seria candidato à presidência, e por isso foi-lhe mantendo a regular presença no seu jornal de domingo. A farsa revelou-se uma vez mais uma das especialidades de ambas as partes.

Como um verdadeiro Abracurcix transportado em cima do escudo pelos seus fervorosos admiradores Marcelo parece-me dirigir-se já para o Palácio de Belém, como se pela frente não houvesse uma campanha para fazer, debates a realizar e um esclarecimento fundamental a prestar ao país: como tenciona Marcelo Rebelo de Sousa "defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa"?

A vitória da direita que Marcelo transporta atrás de si - escondida atrás de si e da sua imagem de entertainer profissional - poderá revelar-se menos evidente, inevitável e lógica do que aquilo que possa parecer.

Notas:
[*] "Caixa colorida", Peste & Sida.
[imagem]

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