Portugal e a NATO

As referências à NATO como elemento potencialmente desagregador de uma alternativa que assuma uma ruptura objectiva face à política de direita têm sido regulares, abundantes e desinformadas desde que, após 4 de Outubro, se verificou uma mudança importante na correlação de forças existente no quadro da Assembleia da República eleita.

A tese da direita é fundamentalmente a seguinte: PCP e BE pretendem uma ruptura imediata de Portugal com a NATO, o que colocaria em causa o alinhamento "europeísta" e "atlantista" do país, comprometendo "compromissos internacionais assumidos". Na sua declaração após as eleições foi o próprio Presidente da República a afirmar que ao novo governo se exige "a observância das obrigações decorrentes da participação nas organizações internacionais de defesa coletiva, como a NATO, e da adesão plena à União Europeia e à Zona Euro". Mas... será mesmo assim?

Creio que boa parte daqueles que escrevem sobre o que diz e pensa o PCP nunca ouviram nem leram o que diz e pensa o PCP. Curiosamente, os documentos que comprometem o partido - o seu programa, os seus programas eleitorais e a resolução politica aprovada em Congresso - são públicos e podem ser consultados por qualquer cidadão interessado em informar-se sobre o tema.

O programa permanente do PCP refere de facto que "a dissolução da NATO é objectivo crucial para a afirmação da soberania nacional e para a paz mundial, com o qual o processo de desvinculação do País das suas estruturas deve estar articulado". Acrescenta igualmente que "o PCP propõe ao povo português, uma política externa diversificada, de paz, amizade e cooperação com todos os povos, na base dos princípios da igualdade, reciprocidade de vantagens, respeito mútuo e não ingerência nos assuntos internos, que terá como vectores principais: (...) a contribuição activa para a criação de uma Europa de paz, progresso, amizade e cooperação entre povos e países soberanos e iguais em direitos, com o avanço do processo de desarmamento, a dissolução da NATO e a desmilitarização da União Europeia, a criação de um sistema de segurança colectivo que respeite e assegure a soberania dos Estados e a livre opção dos povos.".

Defender "o processo de desvinculação do País" das estruturas da NATO e, articulada com este, a dissolução da própria Aliança, é coisa bem diferente de exigir a saída do país da NATO já amanhã, de forma abrupta, por muito justa que essa saída fosse (e é).

Posto isto importa verificar se existe alguma contradição entre aquilo que refere o programa do PCP e o enquadramento constitucional português, no qual a única “nato” existente são as últimas duas sílabas de “patronato”, no ponto 4 do artigo 55º, relativo a Liberdade Sindical.

A este propósito importa ter presente o que se encontra inscrito no artigo 7º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a mesma que desde 1976 foi revista por sete vezes (1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005), sempre com os votos da mesma direita que aponta o dedo ao PCP a propósito das suas posições relativamente à NATO:

Artigo 7º, Relações Internacionais: [1]
(...)
2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

Verifica-se pois que a CRP refere, tal como defende o PCP, que "Portugal preconiza (...) a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva". E tendo presente que o chamado Tratado de Varsóvia (também conhecido como "Pacto de Varsóvia") se extinguiu no Verão de 1991, o único verdadeiro bloco político-militar existente é a NATO.

Por outro lado, a CRP defende "o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva", que é coisa diferente do sistema de segurança selectiva a que dá corpo o militarismo "euro-atlântico".

Sobre esta matéria leia-se, para que cada um se possa exprimir de forma informada sobre a posição do PCP relativamente a esta matéria, o que consta do Programa Eleitoral do PCP apresentado nas Eleições para o Parlamento Europeu, em 2014:

- A recusa do militarismo e o fim da submissão ao imperialismo, à NATO e à sua estratégia de guerra. A rejeição da Política Europeia de Segurança e Defesa/Política Externa de Segurança Comum (PESD/PESC), do aprofundamento da União Europeia como bloco político-militar imperialista, assim como do alargamento da NATO e da sobreposição da NATO à ONU. A defesa da dissolução dos blocos político-militares;
- A efectiva implementação de um sistema de segurança e cooperação na Europa, com base nos princípios da Acta de Helsínquia;

Acontece que, como bem refere o texto citado, a NATO tem procurado desde 1991 sobrepor-se à ONU e aos seus mecanismos de defesa da paz e da segurança colectiva. Foi o que fez durante a Guerra nos Balcãs, entre 1991 e 1995, e depois disso nos mais diversos cenários de guerra. Na Síria, por exemplo, os bombardeamentos norte-americanos acontecem em violação da soberania daquele país e sem qualquer mandato das Nações Unidas. A NATO é, na sua essência e natureza, uma organização agressiva e que visa a defesa colectiva dos estados membros e dos seus "interesses estratégicos". É também esta natureza selectiva, para lá do próprio conteúdo das suas intervenções político-militares, que se opõe à lógica colectiva que deveria presidir a qualquer estratégia internacional de manutenção da segurança e da Paz, no quadro da única instituição internacional onde todos os Estados se encontram representados.

A posição dos comunistas portugueses relativamente à NATO é justa, defensora da paz, da igualdade entre os Estados e totalmente congruente com a Constituição da República Portuguesa. Não há "obrigações decorrentes da participação nas organizações internacionais de defesa coletiva" que se sobreponham à Constituição e ao direito internacional, não raras vezes violado pela NATO.

Notas:

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