Rehenes



Lembro-me como se tivesse acontecido ontem: Fujimori, o então presidente do Peru, caminhando escadaria a cima no interior da embaixada do Japão em Lima, Perú, depois de terminada a "crise" que em 1996 ocupou uma parte não desprezível das atenções mediáticas do mundo. Os guerrilheiros Tupac Amaro prostrados, na estranhas posições em que os corpos inertes tombam, e Fujimori triunfante, passando-lhes por cima, num gesto de desprezo que nunca mais esqueci.

Creio que em 96, e a propósito da "crise" da Embaixada do Japão, percebi talvez pela segunda vez - a primeira foi ainda nos anos 80, muito miúdo, quando me meti num debate entre adultos sobre a Perestroika e o destino da URSS - que o meu pensamento e a minha forma de sentir se afastava radicalmente do pensamento da maioria relativamente às formas de luta adoptadas pelos humildes em situações de desespero e bloqueio, como era em vários países latino-americanos na miserável década que se seguiu à vitória da tese do "fim da história".

Quando todos desejavam a morte dos guerrilheiros eu acompanhava a sua situação olhando-a sempre pelo prisma dos sitiados. Quando a maioria acreditava que Fujimori não deveria dialogar com os Tupac Amaru, eu desejava ardentemente que o fizesse, encontrando-se assim uma saída que preservasse vidas e sobretudo desse aos peruanos uma perspectiva de progresso e justiça social que não conheciam.

Revi as imagens de 1996 no filme "Rehenes", que a Netflix disponibiliza, e não pude deixar de sentir uma comoção aproximada àquela que senti quando os acontecimentos de Lima se sucediam e eu os acompanhava como era possível num tempo antes da internet. Confirmei a minha total solidariedade com os Tupac Amaru. E conhecedor da história posterior de Fujimori - condenado por crimes contra a humanidade, praticados pelos seus esquadrões da morte, e posteriormente "desculpado" pelo presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski - confirmei que a visão que o miúdo de 18 anos que tinha então formou acerca da "crise" da embaixada japonesa era, no essencial, correcta.

"Rehenes" é filmado e montado sobretudo na óptica daqueles que se viram feitos reféns, e que em momento algum viram as suas vidas ameaçadas pelos guerrilheiros aos quais chamam repetidamente "terroristas". É todavia pertinente o conjunto de questões que ficam em aberto na conclusão da película, e que se referem às execuções extra-judiciais dos guerrilheiros capturados vivos.

A "crise" de Lima fará 25 anos em 2021. Fecho os olhos e lembro-me dela como se tivesse acontecido agora mesmo. Um acontecimento esquecido, ocorrido num país que nunca visitei, protagonizado por um movimento que mal conhecia então, e que foi fundamental - absolutamente fundamental - na minha formação política, ideológica e humana.

Aconselho vivamente o filme.

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