O dia em que Sanders se calou...
No dia em que os Estados Unidos da América se tornaram oficialmente o país com mais mortos por Covid-19, muito por força do impacto que a epidemia tem junto das camadas mais pobres da população, Bernie Sanders anunciou a suspensão da sua campanha pré-presidencial, no âmbito das primárias democratas, deixando assim totalmente desimpedido o caminho para a nomeação do ex-vice presidente Joe Biden.
A campanha de Sanders começou por surpreender devido à capacidade de angariar fundos através de pequenas contribuições. Ao contrário da generalidade dos restantes candidatos, financiados por poderosos lobbies - ou no caso de Blomberg, pela sua própria fortuna pessoal - Sanders sustentou largamente a sua acção em dinheiro de gente comum, trabalhadores, que viram na sua candidatura e no seu programa social-democrata respostas para problemas estruturais da sociedade norte-americana: a pobreza e a crescente injustiça na distribuição do rendimento, a ausência de serviços públicos, o preço da educação e as dificuldades de acesso a cuidados de saúde, o militarismo e intervencionismo norte-americano em todo o mundo, por oposição à demissão do governo federal relativamente à resolução de problemas essenciais do dia-a-dia das camadas mais pobres da população. O senador Sanders não desiludiu e colocou no debate político temas normalmente arredados do palco mediático, como a segurança social, por exemplo.
Os Estados Unidos da América não é apenas a grande potência mundial do individualismo e da ideologia "libertária" de direita, fundamentalmente caracterizada por uma oposição céptica à ideia de política e que "coisa comum", de governo e de decisões federais com impacto na vida das comunidades locais. É também, e sobretudo, um dos países onde a ideia de que a pobreza é um problema fundamentalmente individual e da responsabilidade dos pobres mais vinga.
Sanders não concorreu apenas contra adversários políticos poderosos e contra uma imprensa hostil; no lado oposto ao seu programa, perfil e discurso encontrava-se um monstro quase inamovível, o sólido edifício do conservadorismo norte-americano, com expressão em quase todos os sectores, latitudes e longitudes de um enorme país que é na verdade uma soma de pequenos países chamados Estados.
A suspensão da campanha de Sanders acontece num contexto de grandes dificuldades para a população mais pobre dos Estados Unidos, precisamente numa altura em que se tornam evidentes as limitações de um "sistema de saúde" que é uma soma de sistemas e sub-sistemas privados, alicerçados num enorme universo de seguros com múltiplas características, coberturas, exclusões e prémios. Pode dar-se o caso dos Estados Unidos compreenderem por fim, e pelas piores razões, que a proposta de "medicare for all" de Bernie Sanders é o único caminho decente num país onde os pobres caem aos milhares perante uma doença que tem na sua capacidade de permear uma enorme ligação com as condições de vida - e capacidade de subsistência - das diferentes camadas da população.
Sanders prometeu procurar influenciar a Convenção democrata através dos delegados eleitos pela sua candidatura. Será um projecto de difícil concretização, dadas as circunstâncias.
Bernie calou-se, Biden e o establishment deixar de "sentir o Bern". Mas e os pobres e os trabalhadores norte-americanos?
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