O futebol sem adeptos não é nada


Para se jogar futebol são necessários poucos meios. Um campo, que pode ser formal ou improvisado, relvado ou de areia, cimento ou terra; duas balizas, sejam elas oficiais ou duas pedras a servir de postes; uma bola; duas equipas, com número variável de jogadores, de acordo com as condições do momento. O futebol é na sua essência um jogo simples, com poucas regras. Foi aliás esta conjugação de poucos meios e jogo acessível que o tornou no vício benigno mais disseminado por esse mundo fora.
Existe futebol para lá das competições oficiais, mas as competições são hoje uma parte fundamental da paixão que o futebol suscita. Porque a par de outras modalidades, o futebol esteve na origem de formas absolutamente incríveis de associativismo popular, foi o catalisador para formas de unidade nas comunidades que por vezes fugiram ao controlo dos poderes e funcionaram como pólos de liberdade, intervenção e subversão responsáveis por actos de desobediência e desafio ao status quo. Portugal tem nesse particular belíssimos exemplos históricos, cuja memória se preserva, mesmo quando a "indústria" procura sobrepor-se aos princípios e valores que erigiram os orgulhosos emblema dos nossos bairros e cidades.
O futebol resistiu a guerras e tensões, a desastres económicos e a troikas, a revoluções e contra-revoluções, foi parte dos diferentes contextos históricos desempenhando de forma diversa - e de acordo com as circunstâncias do tempo e do lugar - diferentes papéis. Nesta equação de múltiplas variáveis apenas uma permaneceu mais ou menos constante ao longo de décadas e décadas: os adeptos e a sua paixão pelo jogo.
É por isso sem estranheza que observo e estudo o movimento que se vai formando, mais lá fora do que cá dentro, no sentido de afirmar a inviabilidade do jogo e das suas competições sem os adeptos. Não há desporto sem adeptos. Não há futebol sem "fãs", a expressão cunhada a partir do inglês "fanatics", usada originalmente nos Estados Unidos (a propósito dos apaixonados adeptos do basebol ianque) e depois importada pelos ingleses na viragem do século XIX para o século XX.
Em Portugal há quem afirme que é impensável não se concluir esta ou aquela competição desportiva, mas poucos se têm mobilizado e feito ouvir em torno de uma ideia que me parece bem mais relevante: a da protecção de um jogo - porque o futebol é um jogo e apenas um jogo - contra a sua acelerada transformação em produto de consumo televisivo.
Jogar-se com bancadas vazias é uma aberração. Jogar para a televisão, e por causa das receitas televisivas, é forçar ainda mais a lâmina que decepa o jogo, torcendo-a de forma violenta, para sangrar a paixão dos humildes, despejados dos seus antigos "peões", em nome de um futebol-negócio que adepto nenhum desejou (porque se alguma vez o desejou transformou-se em "cliente" ou consumidor do produto embalado e servido em horários diversos, que não olham para a bancada nem para aqueles que há um quarto de século a enchiam).
De França chega uma grande lição. Será que a sabemos compreender num país onde a cultura associativa vai morrendo a cada dia?


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