Conservar a sardinha mas não a lata
Li no passado sábado o interessante texto que Valdano dedicou àquela que Vítor Serpa chama hoje "a alma do jogo" e devo dizer que o partilhei com várias pessoas por me parecer encontrar-se cheio de bons motivos de reflexão, o que não quer dizer necessariamente que concorde com Valdano relativamente às razões que possam sustentar posição finais aparentemente semelhantes.
No editorial de "A Bola" de hoje, Vítor Serpa acaba por me dar o pretexto para questionar algumas das razões desta "revolta contra o mundo moderno" (algumas expressões de pretensa "modernidade" no futebol) com a qual em certo sentido me identifico - na discordância relativa ao VAR, por exemplo - mas da qual me distancio quando escavando mais fundo começo a perceber que gente que diz o mesmo pensa sobre o problema a partir de prismas muito diferentes (e distantes).
O Professor Agostinho da Silva costumava avisar os "conservadores" acerca do risco de querem conservar a lata deixando apodrecer a sardinha, imagem que me parece feliz e ilustrativa de algumas perspectivas do jogo (considerado em sentido lato) que se vão manifestando sobre algumas das mudanças em perspectiva.
O Rugby, conhecido pela sua visão tradicional acerca do jogo e dos seus valores, foi capaz de perceber as suas limitações e, ao longo de muitos anos, alterar aspectos que tornaram a sua prática mais espectacular e segura. Trata-se de um caso para estudo sobre a arte de conservar a sardinha mudando a lata que já nada tem para oferecer.
Vítor Serpa refere-se à hipótese das regras do jogo - do futebol (profissional masculino), neste caso - passarem a permitir cinco substituições em vez das três actuais - que antes eram duas e que, se recuarmos bem lá atrás, já foram zero (o que na prática significava que jogadores incapazes de continuarem em campo saiam sem que para o seu lugar entrasse um substituto fresco e em condições) - como "bizarra proposta". O leitor procura a justificação para esta qualificação definitiva e histriónica mas não a encontra. E por isso fica a propósito do tema das substituições a ideia de um "conservadorismo da lata", que não apresenta razões nem aponta reflexões acerca de um caminho que me parece absolutamente defensável se previsto em simultâneo com regras que impeçam o jogo de parar dez vezes para substituição de jogadores durante 90 minutos mal contados, que na generalidade dos jogos em Portugal não passam de 40 a 55 minutos úteis, de bola a rolar.
O futebol está a mudar e eu creio que o fundamental das mudanças é contrário ao interesse os seus donos: aqueles que o amam e aqueles que o praticam. Mas defender a "alma do jogo" passa por trazer ao debate razões, propostas e avaliações que vão além da simples recusa da mudança. Sobretudo quando as "mudanças" mais significativas - aquelas verificadas foram das quatro linhas - passaram durante os últimos 20 anos muito ao lado dos principais implicados na "indústria" que mata o jogo.
Ao debate!
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