A questão 'geracional'

Nunca fui um defensor da ideia de que gerações diferentes têm em princípio visões também elas diferentes sobre uma mesma questão. Não penso que o que faz diferir o essencial da análise seja a idade de quem pensa, antes a sua condição e posicionamento económico e social face ao objecto do debate. Dito isto, não ignoro que haja uma dimensão geracional relevante que também integre a equação como elemento importante na modelação do pensamento de cada pessoa sobre determinada questão, evento ou processo histórico. 
O historiador brasileiro Luiz António Simas referia sobre a questão do velho versus o novo Maracanã o facto do seu filho, menino de 9 anos, já não aguentar ouvi-lo acerca daquilo que se perdeu no proxesso de arenização do Estádio. Esta forma de estar perante a questão resulta de uma circunstância inultrapassável: o pequeno Simas nunca experenciou (nem poderá alguma vez fazê-lo) - ao contrário do pai - a vivência da arquibancada do velho Macaranã. 
A compreensão da questão das SAD e do seu papel no processo histórico de evolução e/ou involução do desporto em geral e do futebol em particular encontra-se em larga medida relacionada com aspectos de natureza geracional. Eu, nascido em 1978, tive ainda a hipótese de viver um Belenenses puramente associativo até ao ano de 1999. Quem nasceu 10 anos depois, em 1988, ou em 1990 vá, já não viveu praticamente nada desse Belenenses antigo e se memórias guarda é já de um período de transição que se afasta terrivelmente da ideia de "um só Belenenses", do Belenenses dos belenenses, consagrado e popular, clube da base, dos da base. 
O princípio não se aplica apenas ao Belenenses. E a verdade é que hoje há uma camada grande de adeptos de futebol, parte dos quais sócios efectivos de grandes, médios e pequenos clubes, que nunca viveram de forma presente e activa o período anterior a 1997-1999. Nesse sentido, há qualquer coisa neste debate que lhes escapa, ainda que conceptualmente compreendam em absoluto as diferenças entre ser-se um clube ou um "clube-empresa", que na verdade será sempre uma empresa a funcionar tendo um clube como pretexto, ou embalagem comercial. 
A necessidade de alteração da lei das SAD é uma evidência. Mas em Portugal há evidências que se tornam invisíveis elefantes na sala. A geração que viveu o futebol antes de 1999 tem que actuar porque um dia destes seremos uma minoria apelidada de saudosa, e inofensiva como os pseudo-revolucionários de "A borboleta na gaiola", do recentemente falecido Luís Filipe Costa. A questão da alteração da lei das SAD não é geracional, é ideológica. Mas há nela um aspecto geracional que importa não ignorar nem desvalorizar.

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