"De e dos sócios": da ideia abstracta à praxis diária

Depois do debate em torno de modelos genéricos de abordagem ao fenómeno desportivo (clube-associação vs clube-empresa), existe um outro debate não menos importante que é o de se saber qual o estilo, o tipo ou a ideia de associativismo a concretizar (na prática muito mais do que na retórica) no seio dos clubes-associação.

Não acredito em modelos. Cada clube tem a sua história, a sua identidade e realidade associativa, as suas prioridades, forças e dificuldades. O associativismo que serve ao Clube A pode não estar ao alcance, ou não ser do interesse, do Clube B ou C.

Existem, todavia, princípios gerais que caracterizam um “clube de sócios e dos sócios”.

Do meu ponto de vista, sublinharia cinco princípios fundamentais:

1. O “clube de sócios e dos sócios” é aquele em que todas as decisões estruturantes e fundamentais são tomadas de forma informada, e tendo presente todos os dados acerca das mesmas, pelos associados no contexto do grande fórum do associativismo que são as Assembleias Gerais. A AG é o garante da soberania associativa sobre todos os temas fundamentais da vida colectiva do clube-associação. Não quer isto dizer que, no contexto da delegação de poderes executivos que caracteriza o modelo electivo-representativo que vigora na generalidade das associações desportivas, toda e qualquer decisão tenha que ser tomada em AG. Em todo o caso, se num Clube as decisões verdadeiramente impactantes não forem tomadas em Assembleia Geral, não se poderá falar em “clube de e dos sócios”.

2. O “clube de sócios e dos sócios” é aquele em que os sócios não se limitam a participar no dia-a-dia associativo nas Assembleias Gerais, actos eleitorais ou, de forma mais ou menos participativa, nos dias de jogos das várias equipas dos vários escalões representativos do emblema. Pelo contrário: mobilizam-se dentro das suas possibilidades, presencialmente ou a distância, para o suporte à actividade concreta, quotidiana e não raras vezes invisível das várias secções desportivas. Aos sócios mais disponíveis e até reivindicativos não deveria bastar estar na bancada, porque o momento de estar na bancada é precedido por dias, semanas, meses e anos de trabalho quotidiano junto das equipas que periodicamente competem. As secções desportivas dos clubes-associação precisam desesperadamente de mãos para trabalhar e cabeças para pensar em soluções. Em clubes associação não existe (ou não deveria existir) uma divisão conceptual entre “eles” (os dirigentes e/ou seccionistas) e o “nós” (sócios e adeptos), desde logo porque por definição “eles” são “nós” (tomo como exemplo os Estatutos – e a prática – no CFB: “A Direcção nomeará os Directores e Seccionistas que entender necessários para assegurar a boa gestão das actividades do C.F.B., desde que os mesmos sejam Sócios Efectivos do C.F.B..”)

3. O “clube de sócios e dos sócios” é aquele em que sócios uma vez eleitos para órgão sociais não vêem a sua liberdade e os seus direitos limitados (nem tão pouco ampliados). Isto é ainda mais relevante em clubes-associação em que as “regras” determinam o regime de total voluntariado no desempenho de funções executivas. É também aquele em que os “dirigentes” não executivos – desde logo aqueles que se encontram nas secções, viabilizando operacional e quotidianamente a actividade das várias equipas do Clube, sem que daí retirem qualquer proveito e sem outros poderes executivos no Clube – não são por essa razão limitados na sua ação e intervenção nos vários âmbitos da vida associativa (mau seria). Tomando como exemplo o caso do Belenenses, importa lembrar que os estatutos apenas impõem aos membros de órgãos executivos uma limitação não aplicável aos restantes sócios efectivos: “não negociar com o C.F.B., directa ou indirectamente, sempre que investido no exercício de qualquer cargo dos Órgãos Sociais, excepto em casos pontuais considerados de grande interesse para o C.F.B. e que, como tal, depois de aprovados em reunião de Direcção, obtenham o parecer favorável do Conselho Fiscal e Disciplinar”. Estou plenamente de acordo com este princípio.

4. O “clube de sócios e dos sócios” é aquele em que os sócios assumem de forma solidária a responsabilidade pelo dia-a-dia do Clube, desde que as decisões, as ações e os discursos adoptados não violem princípios fundamentais do Clube (que não apenas estatutários) e, cumulativamente, decisões colectivas assumidas em Assembleia Geral. Se o clube é de e dos sócios, então todos os sócios deverão cuidar dele, colocando o interesse, o bom nome e a sustentabilidade do Clube acima dos seus interesses (e não me refiro a interesses materiais) pessoais e das suas perspectivas – partilhadas ou não com outros grupos limitados de associados – sobre esta ou aquela matéria.

5. O “clube de sócios e dos sócios” é aquele em que o debate entre associados se faz com elevação, sem insultos nem insinuações. Porque é possível discordar – e discordar por vezes de forma radical – sem transformar a discordância numa trincheira, numa fronteira ou linha divisória entre “puros” e “não puros”. Muito mais importante do que a ideia de “o meu Clube” é a ideia, o conceito e a prática de “o nosso Clube”. Porque um clube-associativo foi, é e será sempre (por ser essa a essência do associativismo) uma construção colectiva, para a qual contribuem visões diferentes, perspectivas por vezes contrárias, posturas diferenciadas sobre temas da vida interna e externa ao Clube.

Nenhum Clube é “de e dos sócios” só porque o afirma. E nenhum clube é eternamente “de e dos sócios” se não cuidar quotidianamente dessa ideia e desse conceito, promovendo-o todos os dias, sempre.

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