A nova "ameaça vermelha" [actualizado com post-scriptum]
O que se passa na imprensa nacional é triste mas não surpreende. Na luta de classes há sectores da sociedade bem conscientes do seu lugar e do seu papel. Momentos como este que vivemos têm o mérito de tornar mais evidentes uma coisa e a outra.
Creio que o tempo é de resistir à tentação de entrar no debate sobre acontecimentos de há 80, 70, 60, 40 ou 25 anos atrás. Parece-me que a ruptura com a política de direita que poderá ainda surgir do complexo quadro pós-eleitoral nada tem a ganhar com estéreis discussões sobre posições do PCP relativamente a momentos históricos, análises de contexto ou relacionamentos institucionais de um passado que para a maioria dos portugueses pouco ou nada importa. De resto parece-me óbvio que atacar uma eventual participação do PCP numa solução governativa à esquerda através de referências a gulags, khmers vermelhos e maoismo é bem a ilustração não apenas da ignorância histórica daqueles que o fazem mas também - e sobretudo - de um quase patético estado de histeria que se instalou no meio daqueles a quem Serge Halimi chamou "os novos cães de guarda".
Que os jornais se encham de notícias sobre o nervosismo dos mercados ou de artigos sobre o 25 de Novembro é coisa que revela bem a forma como o regime se sente relativamente ameaçado pela alteração da correlação de forças no seio da sociedade portuguesa. E se por um lado é bom não alimentar ilusões acerca da magnitude desta mudança, por outro lado parece-me justo e adequado não a desvalorizar nem remeter para a condição de detalhe pós-eleitoral. Fazê-lo seria entrar no jogo retórico em que a direita - a direita em sentido amplo, político, económico e mediático - quer paralisar o país.
Acontece que nem a democracia é um jogo nem o presente quadro pós-eleitoral é uma disputa sem real importância para o futuro de Portugal, dos portugueses e daqueles que aqui vivem e trabalham. Deixai-os dar largas ao seu desespero porque no fundo esse desespero é um bom sinal.
post scriptum:
Relido o post fico com a sensação de que o terceiro parágrafo carece de clarificação pois numa leitura mais apressada pode muito bem ser interpretado como um convite a uma certa forma de oportunismo; o que pretendi defender, eventualmente de forma mal formulado, foi que neste contexto - neste em particular, até clarificação em definitivo do quadro institucional pós-eleitoral - a direita tudo fará para que o povo perca o foco do que é essencial: uma ruptura com esta política e com estes protagonistas; é nesse sentido que procura agitar espantalhos, activar estereótipos, alimentar medos injustificados, caricaturar posições e análises dos comunistas portugueses sobre temas e contextos diversas da história nacional e internacional; creio que por hora é preciso resistir à tendência (natural e compreensível) para dar resposta às provocações de que somos alvo porque o aparente debate para que nos convocam é descontextualizado e está armadilhado.
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