Animals
Na versão cinematográfica de "The Children of Men" existe uma referência explícita à capa de "Animals" através da Battersea Power Station (uma central eléctrica localizada em Nine Elms, na Grande Londres). No filme, a central é a "Ark of Art", e entre duas das suas chaminés - tal como na capa de "Animals" - é visível um enorme balão de hélio com a forma de um porco. Livro, filme e disco evidenciam vários pontos de união de que não apenas o conceito artístico e mas sobretudo boa parte da mundivisão explicitada são evidentes sinais.
"Animals", que passou a ser muito provavelmente o meu preferido da relativamente extensa discografia dos Pink Floyd, constitui-se como um álbum de tipo conceptual que se traduz numa crítica explicita e coerente à autoridade nas suas várias formas e ao sistema económico capitalista em particular [1]. O som é pesado e próximo do estilo progressivo que mais me atrai, as letras são aguçadas e subversivas, o ambiente é reflexivo mas mobilizador e a base instrumental profundamente anti-comercial [2]. É por isso com perplexidade que me apercebo da leitura estática que muitos fazem de "Animals". Se no final dos anos 70 seria mais ou menos óbvio associar o disco à intenção original de "Animal Farm", de George Orwell, em 2015 não é menos legítimo identificar em "Animals" uma leitura do capitalismo, naquele momento da história e nos outros que se seguiram.
A vitória do sistema capitalista sobre o mundo socialista erigido em torno da União Soviética veio projectar o modelo de acumulação privada de capital de forma quase universal, e criou as condições objectivas e subjectivas para garantir a "Animals" uma actualidade - quase 40 anos depois - que coloca o disco no reservado grupo das obras que sobrevivem ao seu tempo e circunstâncias de nascimento. O disco nasceu ligado ao livro, mas não se esgotou no livro. Orwell escreveu "Animal Farm" com o objectivo de nele criar uma metáfora sobre a sua percepção relativa ao socialismo na URSS. Roger Waters e os Pink Floyd pegaram no conceito e mostraram que boa parte dos problemas de "Animal Farm" existiam (e existem) no mundo "livre" do capitalismo.
O rock progressivo aparece assim em "Animals" como um complemento ao seu inverso musical e estético, o punk. O primeiro centrado nos efeitos subjectivos do capitalismo no homem, e o segundo bastante mais atento à opressão objectiva do sistema sobre as classes sociais e as comunidades humanas como um todo.
Notas:
[1] "Animals is a critique of the capitalist economic system. Roger Waters documents his own recognition of superstructure and, like Marx, attempts to illuminate the masses about their exploitation and oppression. [H]is primary concern, however, is to reveal the effects that capitalism has on the nature of human beings, and the division it creates between them as individuals", em "Which One’s Pink? An Analysis of the Concept Albums of Roger Waters and Pink Floyd".
[2] "Sheep", em "Animals" (1977), Pink Floyd.
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