"Walking"

"The Road goes ever on and on 
Down from the door where it began. 
Now far ahead the Road has gone, 
And I must follow, if I can, 
Pursuing it with eager feet, 
Until it joins some larger way 
Where many paths and errands meet. 
And whither then? I cannot say" 
― J.R.R. Tolkien, The Fellowship of the Ring 




Aproveitando o sossego - sempre relativo - que os fins-de-semana fora de Lisboa me proporcionam comecei e terminei a leitura da brochura "Caminhada" ("Walking", no original em inglês), de Henry David Thoreau. O texto, de 1862, apresenta-se claramente datado em alguns pontos. A Nova Inglaterra daquela segunda metade do século XIX já pouco ou nada tem a ver com aquela que hoje se apresenta aos olhos de um habitante de Concord e seus arrabaldes. Por outro lado, a essência da aventura pelo lado selvagem do mundo - e da vida - permanece mais ou menos intacta. É precisamente essa dimensão do texto de Thoreau que se revela imprescindível.

Em "Walking", o grande naturalista e transcendentalista norte-americano apresenta-nos os méritos da caminhada sem destino e sobretudo fora das estradas de alcatrão ou terra que outros desenharam em nosso nome e na subjectiva interpretação dos nossos interesses. Caminhar sim, mas livremente, no seio de uma natureza que em Thoureau nos aparece por vezes talvez excessivamente idealizada. Ao ler "Walking" não pude deixar de recordar as duras mas realistas palavras de Werner Herzog em "Grizzly Man", acerca da forma como Timothy Treadwell se foi enganando relativamente à natureza benigna do mundo selvagem, o que de resto o conduziu à tragédia que o vitimou (e à namorada Amie Huguenard, que o acompanhava), no Katmai National Park and Preserve, Alaska, em 2003.

Durante a leitura do texto não pude também deixar de pensar naqueles que, entre 1861 e 1865, combateram na grande carnificina que foi a Guerra Civil Norte-Americana, superficialmente referida por Thoureau em determinada passagem do livro, quando se refere "aos do sul". Enquanto a guerra se fazia nos campos de batalha que a história registou e regista - em letras cuja natureza varia naturalmente de acordo com os olhos daqueles que a lêem -, Thoureau convidava os seus concidadãos a beneficiarem dos méritos inquestionáveis da vida liberta das amarras castradoras dos horários de trabalho, das obrigações profissionais e dos grilhões da "civilização". "A Oeste nada de novo", de E.M.Remarque, trata precisamente acerca desta convivência inexplicável entre o destino dos que combatem, e a sorte daqueles que evitam a guerra, convivendo no mesmo tempo e por vezes em espaços contíguos.

O livro é muito interessante, com passagens sublimes e outras anacrónicas. Também nele existe um patriotismo "excepcionalista", que Thoureau não inventou e muito menos esgotou, e que ainda hoje é combustível para a visão expansionista e sobretudo egocêntrica dos norte-americanos face aos outros povos e territórios. Trata-se no fundo de um livro de época, com alguns pontos de vista e algumas reflexões que o tempo não deteriorou nem provou estarem erradas. O regresso do Homem à natureza é muito provavelmente o mais relevante de todos eles.

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