"Eu vivo numa sociedade, que é pior que uma animalidade..." *
Dizia e bem Fernando Alves, citando um escritor espanhol que havia lido horas antes, que se utilidade existe numa crise de saúde pública como aquela que parece ameaçar o país é revelar as nossas debilidades e a nossa fragilidade. Entenda-se isto da forma que se achar mais conveniente. Debilidade física perante um vírus ou psicológica, perante uma ameaça que ainda não compreendemos nem controlamos.
O ser humano, o novo deus tecnológico, julga desde há muito tempo ter a capacidade de poder controlar tudo: as outras espécies, o ar, o mar, o espaço e o clima. Só que não. O que os dias que correm mostram é que nem sobre nós próprios temos controlo.
O Diário de Notícias publica hoje uma peça que refere que "hHá equipamento de proteção individual (EPI) que está a desaparecer dos armários dos hospitais. A informação foi confirmada ao DN por profissionais de vária unidades das regiões de Lisboa e do Porto, que asseguram "a situação não é nova". A falta de novidade é relativa, porque se roubo é roubo, roubar num contexto de fartura não é nunca a mesma coisa que fazê-lo quando todo o material de controlo da infecção faz falta a quem realmente faz falta: aos profissionais de saúde.
O Homem de 2020 tem-se nos píncaros da evolução mas engana-se. O processo de desumanização tem sido acelerado e efectivo. Curiosamente, nunca nos sentimos tão distantes dos nossos irmãos "das cavernas", que referimos - a quem aludimos - sempre que pretendemos ilustrar uma situação mais ou menos animalesca no nosso modo de viver. Das cavernas somos nós. Cavernas mentais, como a da alegoria de Platão. O roubo de material hospitalar, neste contexto, é apenas mais um sinal dessa triste realidade.
* de "Rastaman", Ena Pá 2000 (em "Álbum bronco")
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