Paciência, precisa-se.

A obra "O irresponsável", de Pedro García Olivo, arranca com "A agulha aponta o norte", texto que começa por referir a ideia da salvação ao virar da esquina ("o Ocidente encheu-se então de Emancipadores, de Iluminados, de Redentores, de Engenheiros da Revolução, de Pastores, de Libertadores, de Messias, de Profissionais da Subversão, de Caudilhos, de Profetas, de Agitadores..."). O seu sucesso na atracção da atenção das massas teve origem nessa pressa muito "ocidental" relativamente à resolução de tudo, "ao virar da esquina".
Outros povos, noutras longitudes, aprenderam a cultivar a paciência como virtude para lidar com aquilo que não é manifestamente resolúvel pela acção apressada de líderes nem minorias esclarecidas. A expressão "paciência de chinês" aponta para o Oriente como grande território da relação demorada e reconciliada com o tempo e as suas circunstâncias. E se hoje se observa uma considerável "ocidentalização" das sociedades orientais, ainda é possível observar na forma cerimonial e compassiva como ali os Homens lidam com o tempo um conjunto de ensinamentos e lições que muita falta nos fazem no momento actual da nossa vida colectiva.
A paciência, enquanto competência ou capacidade para conviver saudavelmente com a demora na conclusão ou resolução de uma tarefa simples ou de uma situação complexa, está nos antípodas da forma de viver que fomos erigindo como modelo único na relação com o tempo e com os outros nos vários domínios da vida ocidentalizada.
Curiosamente, até a violação da imediatez das coisas - chegar atrasado a um compromisso assumido, por exemplo - parece resultar da incapacidade de priorizar, consequência de um manifesto bloqueio na arte de gerir pacientemente a vontade de concretizar sempre, no momento, todos os impulsos para fazer/consumir que se nos oferecem.
O tempo é uma curva. Ou melhor, o espaço-tempo é uma curva. Salvador Dali percebeu-o e representou-o nos seus bem conhecidos relógios derretidos. Mas ao contrário de Dali, de Einstein e daqueles que identificam o tempo nas suas mais amplas variáveis, o Homem moderno apenas o encara na sua dimensão aparentemente linear e cronológica, e na cronologia apenas o que se segue parece encerrar um valor prático e uma função rendível, mensurável e material.
Creio que vai sendo "tempo" de olharmos a relatividade de Einstein de uma outra forma, não apenas "científica" mas também filosófica, adoptando com "o passar das horas" - com o tempo cronológico, absoluto, que marcam os nossos relógios - a relação que outros adoptaram intuitivamente desde há milhares de anos. Não podemos fugir do tempo mas podemos usá-lo dentro dos nossos limitados meios. A paciência será um dos mais preciosos, esticando-o e dobrando-o, como fez Dali em "A persistência da memória".
Paciência, precisa-se. Infelizmente não a podemos ir buscar ao supermercado, como ao papel higiénico.


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