Por observação directa


Os dias que passam e as incidências que observamos são precioso material de estudo para aqueles que se dedicam à observação e análise de fenómenos sociais como este que vivemos neste início de 2020. As gerações que convivem neste momento da história da humanidade observam talvez uma das primeiras epidemias de rápida disseminação com natureza verdadeiramente global. Não é a primeira, bem entendido, mas será singular nas suas características, consequências e impacto na vida das pessoas e das comunidades humanas.

A psicologia das multidões e o comportamento dos seus elementos tem sido estudado por muitos e bons académicos ao longo da história. Existem conclusões sólidas, teorias validadas e modelos que encontram correspondência com a realidade, sem dúvida. Creio todavia que, se não tenho da história uma visão estreita e pouco informada, não haverá nesta fase do desenvolvimento históricos das comunidades humanas nenhum outro fenómeno que se lhe compare nas suas múltiplas e diferentes dimensões.

Os mecanismos racionais, que parecem ser predominantes em momentos de maior tranquilidade social, deram lugar a um estado híbrido do comportamento das pessoas e dos grupos, com o raciocínio objectivo a recuar para uma posição secundária, dando lugar às ideias simplistas e ao "senso comum", que é terreno fértil para todo o tipo de conclusões absolutas e exigências sociais e políticas desprovidas de prova, mas bem alicerçadas em "achismos" e verborreia.

Esta é a fase da opinião formada a partir do aparente, quando não do ilusório. E pior, da opinião que se transforma rapidamente em mobilização e pressão sobre os decisores.

O "senso comum" manda fugir das cidades, a ciência não o aconselha. O "senso comum" acredita que o vírus "é estrangeiro", a ciência explica que os vírus não reconhecem a nacionalidades daqueles que infectam. O "senso comum" manda fechar as fronteiras mas a ciência não confirma a eficácia dessa medida, pelo menos nos termos em que vem sendo exigida. O "senso comum" pede "estado de emergência", mas a suspensão dos direitos, liberdades e garantias não é - pelo menos neste contexto - necessidade absoluta, por existirem mecanismos da lei que permitem ao poder político-executivo ir mais longe nas limitações a impor, em caso de extrema necessidade, a uma sociedade desorientada.

Colocado perante uma situação limite (mas que está longe do limite a que poderemos vir a ser levados) o ser humano anseia por consolo e controlo. Por isso exige, baseado no "senso comum", aquilo que poderá não lhe garantir nem consolo nem controlo, por uma razão muito simples: há circunstâncias incontroláveis na vida dos Homens e das comunidades humanas. Aceitá-lo é meio caminho andado para nos podermos concentrar naquilo que verdadeiramente podemos controlar. A ciência ajuda-nos nessa tarefa, basta que não estejamos sempre a colocar-lhe barreiras políticas que a atrasem nas respostas.


[Nota: este post não é a defesa da tecnocracia, da ciência como divindade a que o ser humano se deva submeter acriticamente; é um texto deste contexto, neste contexto e para este contexto]

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