Sagan, os dinossauros e as melgas
A releitura de "Carl Sagan: vida e obra", biografia da responsabilidade de Keay Davidson, tem-se revelado em múltiplos aspectos tempo de verdadeira qualidade nos dias que correm. Sagan foi e é uma das minhas grandes referências intelectuais, não obstante divergências aqui e ali sobre este e aquele tema, o que é coisa mais comum do que rara no confronto de mundivisões que faço com aqueles cuja vida procuro acompanhar ou - depois de falecidos, como é o caso - conhecer melhor.
No capítulo 2 da obra - "Chicago" - Davidson descreve o início da carreira académica de Sagan e a forma como desde cedo procurou relacionar-se com aqueles com quem poderia aprender mais. Sagan escreveu cartas, abordou académicos, apareceu sem aviso prévio à porta de alguns e sacrificou verões com estágios maçudos e entediantes. Um desses verões passou-o sentado a observar moscas da fruta e as respectivas mutações. Do estágio não resultou qualquer conclusão interessante para lá de uma noção exacta de que a ciência tem muito menos glamour do que muitos supõem, e que a resiliência é mesmo uma qualidade que todo o investigador deve treinar.
A leitura da obra de Keay Davidson fez-me lembrar o livrinho do João Correia, o Matt Hooper português, bem como as suas palestras, que vivamente aconselho. O João, que descobri por acaso numa notícia do extinto "Notícias do Mar", fez trinta e muitos anos depois do percurso de Sagan nos laboratórios da mosca da fruta ou das galáxias do Universo que conhecemos uma coisa semelhante: percebeu que o futuro não é um coisa para se pensar no dia em que se recebe o diploma académico, mas uma realidade que começa quando percebemos o que queremos fazer da nossa vida.
Naturalmente que nestas coisas há que ter vontade mas também é importante ter alguma sorte. Quando tinha 15 ou 16 anos tornei-me sócio da APECE e conheci o João. Mais tarde, já na Universidade, apaixonei-me perdidamente pela paleontologia e entrei em contacto com o Professor Galopim de Carvalho, que teve a amabilidade de me receber no seu gabinete no Museu de História Natural para me dizer que agradecia a simpatia, o entusiasmo e o interesse, mas que mais não poderia fazer do que assinar-me os seus livrinhos que carregava na mochila. E pelo meio fui voluntário no Aquário Vasco da Gama, onde durante alguns dias - não muitos para ser franco - cortei cavalas para alimentar os muitos exemplares da fauna atlântica que ali existem.
Não sei se foi por isso que me tornei mais céptico relativamente ao sonho e ao seu papel nos dias que nos são dados a viver neste mundo. A verdade é que em determinado momento optei por concentrar esforços numa vida mais previsível e pacata, decisão que todos os dias celebro - basta olhar para a mulher da minha vida e para os filhos que juntos fizemos - e lamento - porque bom mesmo teria sido poder juntar a Etologia, ou a Paleontologia, ou a Biologia Marinha, à minha mulher e aos meus filhos. Não deu, pronto.
O melhor que agora posso fazer é mesmo criar as condições para que nem a Catarina nem o Henrique desistam dos seus sonhos. Claro que vai custar - dinheiro, tempo, esforço, vida social... mas as escolhas serão deles - só deles - e eu cá estarei para ajudar a torná-las viáveis e para lhes dizer como foi comigo, e quais as consequências - todas - das escolhas que fiz, ou que a vida fez por mim.
Até lá terei sempre Carl Sagan, Jacques-Yves Cousteau, Stan Waterman, John Ford ou o João Correia para me inspirar. Haja saúde e vontade de aprender. E ensinar, já agora. Todos temos alguma coisa para transmitir os outros.
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