"Survevalistas"
Não é um exclusivo ianque, isso é certo. Seja como for é um traço bastante característico da cultura norte-americana, que bebe directamente no individualismo, e que nestes dias de alguma desorientação colectiva ganha especial visibilidade mediática: em Mathias, na West Virginia, existe um lugar à prova de epidemias - ou pelo menos assim o idealizam os seus donos - com capacidade para albergar 500 pessoas durante 25 anos, num género de arca bíblica muito ao gosto das seitas mais fanáticas do cristianismo fanático norte-americano. Não será o único, certamente.
Nos Estados Unidos da América existe um número não desprezível de pessoas que, movidas por crenças religiosas, teorias conspirativas, doenças mentais ou simples tédio se dedicam à recolecção de produtos de primeira necessidade. Fazem-no geralmente durante os longos períodos em que praticamente mais ninguém pensa em armazenar quantidades industriais de enlatados, água, medicamentos ou munições.
Os "survivalists" ianques sentem-se agora como peixes na água, consumindo tranquilamente uma pequena parte das suas reservas enquanto observam pacatos cidadãos alinhados em intermináveis filas para adquirirem aquilo que nas suas caves existe em abundância.
O survevalismo (chamemos-lhe assim) é a doutrina do mais puro cepticismo relativamente à espécie humana, encarando o Homem como um animal domesticado que se encontra a poucos dias do asselvajamento, bastando para tanto que lhe falte alimento e água. Trata-se porém de um cepticismo estrutural e autónomo das circunstâncias de cada momento. O survevalista parece a formiga da história da cigarra, não oscilando entre perspectivas ao longo do tempo.
Estou certo de que não existiriam survevalistas em abundância nas filas que se formaram à porta das lojas de armas e munições um pouco por todos os Estados Unidos. As suas armas são abundantes e estão limpas; tão pouco lhes faltam munições. Existe todavia uma relação óbvia entre uns e outros: a sua busca de comida em quantidade superior às necessidades próprias, armas e/ou munições fundamenta-se na ideia de que a escassez transformará o homem em animal progressivamente irracional, e que quando a razão for inferior à falta dela apenas os mais prevenidos estarão em condições ideiais para sobreviver.
Não creio que estejamos perante um cenário pré-pós-apocalíptico que dê sentido às previsões mais alucinadas dos "gun-nuts" da West Virginia e de outras localizações. Em todo o caso parece-me que mais do que as condições objectivas de cada momento é a percepção que os Homens criam delas que determina a circunstância em que a loucura toma conta das comunidades. Manter a frieza e o discernimento é, de certa forma, afastar o Apocalipse que os survivalistas consideram independente da acção e da vontade dos homens.
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