Alerta!



Os países bálticos incorporaram no período posterior ao desmembramento da União Soviética um conjunto de teses e narrativas que contrariam de forma vincada e evidente elementos da sua própria história que não podem ser ignorados no debate acerca da sua participação na Guerra de 39-45 (também chamada "Segunda Guerra Mundial") e em particular no capítulo - imenso - da Grande Guerra Pátria 41-45, que naturalmente os envolveu.
Os nacionalismos bálticos existiram, existem e não pode ser ignorados, embora apresentem elevadíssima contradição com os resultados do referendo soviético de 1991, quando as três repúblicas em questão participaram na consulta popular sobre a continuidade daquele Estado federal, aprovando-a com percentagens esmagadoras, no quadro de níveis de participação igualmente elevados. [1]
A narrativa oficial báltica, aquela que se cristalizou naquelas sociedades ex-soviéticas, acerca da participação de lituanos, letões e estónios na "segunda grande guerra" diz basicamente duas coisas: a primeira é que a sua participação integrada nas tropas e forças de segurança alemãs, foi por um lado forçada e por outro motivada pela defesa de uma perspectiva futura de independência face "aos russos da URSS"; a segunda diz respeito ao distanciamento que procuram afirmar relativamente ao projecto genocida hitleriano, nomeadamente no que respeita ao extermínio de judeus e de militantes ou partisans comunistas.
Não duvido que muitos lituanos, letões e estónios se tenham visto forçados a integrar unidades militares alemãs em alguma altura durante a guerra. Não tenho dúvidas de que muitos foram forçados a viajar para a Europa Central, ali trabalhando em regime escravo no âmbito do esforço de guerra alemão. Mas também não me restam dúvidas hoje, à luz de todos os testemunhos, documentos e debates sobre o tema, que as forças nacionalistas bálticas não apenas integraram voluntariamente grupos considerados criminosos pelo tribunal de Nuremberga (desde logo as infames "SS") como foram eles mesmos protagonistas de uma série de episódios de perseguição, espancamento e assassinato de russos e judeus nos seus territórios.
Em "Justice Delayed: how Britain became a refuge for nazi war criminals", David Cesarani descreve de forma clara e objectiva o papel de muitos nacionalistas bálticos (e ucranianos) no esforço de guerra alemão, a sua participação voluntária em acções de extrema violência e extermínio de judeus, comunistas e outros grupos perseguidos nos territórios ocupados, o processo de detenção e encarceramento no pós-guerra em territórios controlados por americanos, franceses e ingleses, as tensões entre estes e a URSS a propósito do repatriamento de criminosos de guerra, e os mecanismos posteriores de integração de combatentes bálticos, incluindo criminosos de guerra nazis, na sociedade britânica.
Hoje são comuns os desfiles de ex-combatentes letões, lituanos, estónios e ucranianos das unidades militares da "SS" nos respectivos países de origem. Estou firmemente convencido de que estas manifestações são muito mais desafios à Rússia, o enorme vizinho de todos estes territórios, do que demonstrações de genuína simpatia pelo significado histórico do nazismo e das suas ramificações locais. Seja como for, as narrativas de "um nacionalismo equidistante de nazis e bolcheviques" ganha raízes, em benefício evidente daqueles que estiveram no passado e estão hoje ao lado do antisemitismo, da suástica e dos seus herdeiros actuais. Alerta!

Notas: 
[1] Estónia - 95,46% a favor da continuidade da URSS (participação de 74,16%); Letónia - 95,84% a favor da continuidade da URSS (participação de 65,11%); Lituânia - 99,13% a favor da continuidade da URSS (participação de 86,11%).

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