O 25 de Abril e o Belenenses: a luta da direcção do Dr. Constantino Fernandes
O Clube de Futebol "Os Belenenses", expressão de associativismo popular centenária a que tenho o orgulho de pertencer, na qualidade de associado e adepto, desde o ano de 1982, não é nem nunca foi um emblema politizado. Ao Belenenses foram feitas ao longo dos seus 100 anos de história inúmeras maldades. Poucas terão sido tão marcantes e depreciadoras como a colagem de "clube do regime", coisa que nunca foi. Aliás, são muitos os episódios que marcam um distanciamento do Belenenses - ou de belenenses individualmente considerados - face ao Estado Novo e à sua política.
Neste dia 25 de Abril de 2020 aproveito para trazer ao conhecimento dos leitores do "Na bancada" um nome e uma história que poucos belenenses conhecem; refiro-me à atribulada passagem do Dr. Constantino Fernandes pela presidência de Clube, cargo que exerceu num dos período de ouro da história azul, primeiro entre 1942 e 1944, e depois em 1946.
Contexto
Em Junho de 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, é inaugurado com pompa e circunstância o Estádio Nacional, hoje mais conhecido como Estádio do Jamor. O Estado Novo afirma com mão dura a sua nova política desportiva, com expressão na "metrópole" e nos "territórios ultramarinos", utilizando o desporto como ferramenta de propaganda e afirmação da sua visão da prática desportiva como elemento fundamental de aproximação entre o homem, a ideia de "raça" e o Estado.
A viragem dos anos 30 para a década de 40 traz consigo uma abordagem mais activa do Estado face ao desporto, que era até então da iniciativa popular e dos clubes por ela construídos.
A constituição de organizações como a Mocidade Portuguesa e a FNAT (ambas em 1935) enquadram-se no objectivo de promover na sociedade portuguesa o ideal do homem saudável e do novo português, expressão individual dos méritos de um regime político profundamente inspirado pela estética e pela retórica apreendida na Alemanha hitleriana e na Itália fascista.
Em 1942 é criada a Direcção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, facto que mereceu numa primeira análise uma nota crítica por parte da Direcção presidida pelo Dr. Constantino Fernandes...
O conflito
A consulta da obra "Factos, nomes e números da História do Clube de Futebol Os Belenenses, 23.09.1919 a 23.09.1960" permite-nos aceder ao conteúdo objectivo da primeira reacção do clube à lei que veio criar a referida estrutura do Estado:
Acácio Rosa transcreve o parecer da direcção que refere, a propósito do Decreto-Lei 32.241 de 5 de Setembro de 1942, "expectativa", "indecisão" e "interrogação para o futuro", culminando com uma nota evidentemente crítica, ao colocar no "funcionário" ao qual havia sido confiada a chefia do departamento o mérito que a iniciativa em si não tinha.
A Direcção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar funcionava então como um órgão de controlo absoluto da actividade dos clubes, asfixiando a sua autonomia e livre decisão [1], transformando os seus dirigentes em "meros administradores de bens", nas palavras usadas por Constantino Fernandes em artigo que acompanha este "post", publicado em Maio de 1944 no n.º21 Boletim do Clube.
A direcção do Belenenses acabava de se demitir, após conflito com o Capitão António Cardoso (inspector da DGD), punida pela mão dura de um Estado que se intrometia nos assuntos de uma associação orgulhosa e sem medo ("servir sim, mas de cabeça erguida na consciência de personalidade"), até à data. A Constantino Fernandes sucederia Américo Tomaz, num sinal claro - aqui sim! - de aproximação do Belenenses ao Estado e às suas eminências pardas.
Ao sucesso desportivo do Belenenses não correspondia a necessária estabilidade directiva [2] e até final dos anos 40 suceder-se-iam trocas de direcções, reflectindo por ventura um momento agitado do associativismo desportivo no nosso país.
A verdade é que o nome de Constantino Fernandes, ainda que associado às maiores vitórias do futebol do Belenenses na década de 40, permaneceu e permanece na sombra da história do clube, como um presidente apócrifo. E todavia, a sua resistência à lei que impôs o controlo do Estado sobre os clubes, e as consequências que sofreu, elevam-no ao estatuto de um dos dirigentes máximos que mais combateu pelo primado do associativismo sobre forças externas, no seio do Belenenses.
Notas:
[1] "Com a DGEFDSE, o Estado passou a tentar impor sua visão do esporte sobre os clubes e outras associações. Isto é, o desporto seria visto essencialmente como uma ferramenta educacional e fundamentalmente amador. O discurso produzido acerca da prática desportiva buscava se referenciar na função social de preparação das gerações futuras e apontava a prática desportiva como elemento fundamental neste processo. Assim, seria somente através do amadorismo que a função educativa do esporte se realizaria.", link.
[2] Américo Tomaz, que entretanto seria investido como Ministro da Marinha, foi substituído pelo seu vice-presidente, Artur Ayres Martins, que seria pouco depois substituído pelo Dr. Octávio de Brito; em 1946 o Dr. Constantino Fernandes regressaria à presidência do Clube, mas por breve período, sendo substituído novamente por Octávio de Brito. Acácio Rosa chegaria à presidência do Clube em 1949.
Artigo do Dr. Constantino Fernandes no n.º21 do Boletim do Clube, Maio de 1944:
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