A bola na Quarentena
Os últimos dois meses nas sociedades humanas foram pródigos de alterações de hábitos. Não digo que vivemos "o fim de uma era", tão pouco "o início de um mundo novo", mas parece-me objectivamente verdadeiro que por força das circunstâncias alguma coisa mudou. Se em definitivo ou não, o futuro esclarecerá.
O desporto ficou interrompido, por se tratar de um contexto privilegiado de contágio mas também por ser possível prescindir dele sem que daí decorram consequências de maior para as comunidades humanas. Nas televisões o comentário desportivo, marcadamente centrado no futebol e, neste contexto, nos emblemas mais ricos do país e da Europa, perdeu espaço e foi durante semanas substituído por horas a fio de notícias sem pingo de novo sobre a pandemia nas suas várias dimensões.
Este recuo do comentário desportivo em horário nobre abriu espaço para o surgimento de alternativas informais nas chamadas redes sociais. E se nem tudo o que se fez - e de certa forma ainda faz - foi de qualidade, a verdade é que o ganho em termos de diversidade, pluralismo e inovação não foi pequeno.
De entre a programação diversa que fui acompanhando de forma mais regular ou intermitente, não posso deixar de destacar o projecto "Quarentena da Bola", do jornalista Rémulo Jónatas, verdadeira pedrada nas águas paradas do "mais do mesmo" em torno do quotidiano dos clubes do costume.
Na "Quarentena da Bola" falou-se de praticamente tudo: do futebol nacional de cima a baixo, da Liga principal aos campeonatos distritais, do masculino e do feminino, dos seniores à formação, do fenómeno local à realidade intercontinental, do negócio à paixão passando pelas memórias e pelos projecto de futuro. E eu fartei-me de aprender, reflectir, questionar as minhas certezas e reforçar algumas dúvidas.
Não sei se "a televisão acabou". Sei que os formatos clássicos e o establishment do comentário enfrentam desafios importantes: ou compreendem que é necessário olhar o fenómeno desportivo na sua enorme diversidade, ou poderão definhar a médio e longo prazo, agarrados a formatos com um quarto de século, que vendem polémica mas pouco ou nada acrescentam ao que os adeptos mais atentos já sabem.
Pela minha parte vou manter-me atento à eventual continuidade do debate amplo que os programas online representaram durante as semanas do confinamento quase total. Porque nem o desporto é só futebol, nem o futebol é só a trindade estarola que asfixia a programação televisiva.
A todos quantos se empenharam em demonstrá-lo com assinalável sucesso desde meados de Março, o meu muito obrigado.
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