A força do futebol local


A força do futebol "não profissional" está na proximidade às comunidades locais (que são frequentemente as comunidades de origem dos jogadores das equipas), aos sócios dos clubes, aos adeptos de bancada; está nos estádios pequenos que frequentemente enchem, ou acolhem pequenas multidões superiores a boa parte dos jogos disputados nas competições profissionais; está na ausência de transmissões televisivas e nos horários de realização dos jogos; está no preço dos bilhetes, geralmente acessíveis ao adepto comum; e está sobretudo na competitividade das provas. 
Não fosse o cenário de asfixia associativa que em Portugal se vive desde há longa data, aliada a uma percepção pública errada sobre o Campeonato de Portugal e as competições distritais, parece-me que o CP poderia ser uma prova de interesse superior ao da II Liga. Não apenas porque o nível físico, técnico e táctico entre as duas competições não é distante, mas também - e sobretudo - porque bate claramente o contexto "Liga" no que se refere a romantismo, emoção, espontaneidade e proximidade relativamente às apaixonados pelo jogo.
A FPF tem no presente contexto de reestruturação das provas - tarefa difícil e não isenta do risco de injustiças - uma boa oportunidade de dar um novo fôlego ao futebol "non league", afirmando-o como uma alternativa real à "indústria" ultra-mediatizada do "futebol-espectáculo" para consumo televisivo. Mas isso passa desde logo por uma valorização das provas, prioridade pouco compatível com a integração de "quatro novas equipas B" num patamar competitivo que não merecem nem conquistaram desportivamente. Repito: que não merecem nem conquistarem desportivamente.
O Campeonato de Portugal, a III Liga e os distritais não são contextos recreativos. Os clubes que competem nestes níveis não são figurantes de um futebol que existe apenas para dar palco "aos grandes". E os adeptos que asseguram assistências de milhares de pessoas no distrital de Lisboa, Aveiro, Porto ou Algarve não são menos adeptos que a meia-dúzia do Jamor, Arouca ou Santa Clara.
Quer a FPF projectar o valor do futebol local? Que comece por ouvir os clubes de base local e aqueles que o conhecem dentro e fora do campo, mas fora da bolha dos gabinetes. E já agora, que feche a porta à instrumentalização das suas competições por parte de clubes que não acrescentam valor a essa lógica de afirmação local, e que pelo contrário as procuram utilizar no sentido oposto.

PS.: e antes de venham os abutres do costume sugerir que este texto é a defesa da fixação do Belenenses (o meu clube, de que não falo neste artigo, mas ao qual se refere a imagem que o ilustra) no futebol não profissional deixo o esclarecimento: não, não penso que seja esse o caminho para o Belenenses; acredito que o futebol do Belenenses só faz sentido num patamar competitivo que honre a sua história, mas sempre na soberania associativa e sem intrujas que não têm relação alguma com os seus valores.
   

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