Quaresma e o racismo
É lamentável que um jogador da seleção nacional se envolva em política.
Espero que as autoridades do futebol não deixem que isto se torne o novo normal
O tema dá pano para mangas e já aqui o temos referido. O pretexto é bom para o retomarmos, não sem antes enviarmos a Ricardo Quaresma um enorme aplauso pela coragem de se exprimir contra o racismo e a boçalidade de Ventura.
Pode ou não um futebolista profissional exprimir-se politicamente? O facto de ser futebolista, profissional e jogador com passado na equipa nacional, representativa do país, deve de alguma forma impedir o exercício das suas liberdades individuais? Se um jogador de referência no país decidi-se hoje, por completo absurdo, aderir ao "Chega!" e tornar essa adesão do conhecimento público, viria Ventura lamentá-lo?
A história do desporto está repleta de manifestações políticas antes, durante ou depois das competições. Os exemplos são tantos e tão significativos que seria absolutamente fastidiosos referi-los e descrevê-los um a um. Seja como for, o protesto contra o racismo, a homofobia, a discriminação e todas as formas de intolerância é uma constante dentro e fora dos recintos de jogo, nas bancadas e nos debates públicos em que participam por exemplo desportistas e ex-desportistas que representaram Portugal nos principais palcos do desporto mundial.
Era o que mais faltava que um jogador da selecção nacional deixasse de afirmar o que sente e pensa, incluindo no plano político, apenas por ser jogador da selecção nacional. Deve fazê-lo e viver com as consequências. Assumi-las de peito aberto e confirmar a coragem que demonstra quem estando numa situação individual de conforto - como é o caso de Ricardo Quaresma - se expõe em defesa daqueles com quem partilha uma condição - neste caso a etnia - e que por circunstâncias da vida se encontram em situação de maior fragilidade face a ataques racistas.
O futebol foi tendo ao longo das décadas vários ídolos - maiores ou menores - que assumiram em determinado momento o seu posicionamento face aos processos históricos em curso. Houve quem estendesse o braço e a mão à altura do ombro, houve quem cerrasse o punho em sinal de protesto. Houve quem subisse a camisola para mostrar a suástica tatuada e quem mostrasse mensagens de apoio a trabalhadores em greve. O futebol é uma expressão particular da nossa vida colectiva e nesse sentido não foi, não é nem será imune ao choque de mundivisões que é parte integrante da luta de classes.
Ao apelar à intervenção das "autoridades do futebol", Ventura foge para a sua zona de conforto: a da autoridade e da punição. O que Ventura parece desconhecer é que no desporto em geral e no futebol em particular, a máxima autoridade é a dos adeptos. São eles a alma, o sangue e a razão de existir do jogo organizado em competições. E são eles que em última instância funcionam como o supremo tribunal popular. Não tenho dúvidas que Quaresma será "absolvido". E ainda que não fosse - ou sobretudo se não fosse - teria a minha total solidariedade, respeito e defesa. Nunca o medo deverá impedir quem sente a sua liberdade ameaçada - e a dos outros - de se bater em sua defesa.
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