O racismo entre nós
Quando nos anos 80 os ultras punk do FC Sankt Pauli chegaram em peso às bancadas do Millerntor-Stadion resolveram tomar nas suas mãos a tarefa nem sempre agradável de limpar a grade de grupos racistas que faziam dos jogos da equipa mais representativa do Clube palco para a sua actividade política extremista*. Os ultras resolveram o que nem os dirigentes nem as autoridades quiseram resolver durante muitos anos. E se hoje o FC Sankt Pauli é um símbolo da luta contra o racismo, a homofobia e o fascismo nas bancadas dos estádios deve-o ao adepto comum e anónimo que actuou na bancada em defesa da liberdade e do respeito.
O racismo - como a homofobia, que é tema ainda mais tabu no meio desportivo... - não é exclusivo, no que ao futebol diz respeito, deste ou daquele Clube. E se é verdade que algumas massas adeptas não perdem uma oportunidade para se manifestarem abertamente racistas (a Lazio é um caso extremo de combinação de fascismo, racismo e crime organizado), ou antiracistas (o Rayo, em Madrid, o Babelsberg na Alemanha, o Livorno ou o Marselha, no sul de França), não é menos verdade que na generalidade dos clubes convivem nas bancadas sensibilidades muito dispares e variadas sobre o tema.
Recordo o "caso Camará", o tal que valeu aos adeptos do Belenenses (injusta e felizmente efémera) fama de racistas, como uma história mal contada, visivelmente encomendada, que serve como alerta para situações passíveis de motivar conclusões precipitadas (e injustas, sublinho) que marcam de forma impressiva e por vezes duradoura adeptos, grupos de adeptos e Clubes.
O caso de Guimarães é absolutamente diferente. Em Guimarães registaram-se insultos racistas concretos, testemunhados e registados, que não podem ser atribuídos a todo o estádio mas que também não foram isolados nem restringidos a meia-dúzia de imbecis. E se o racismo não é um problemas apenas do futebol, a verdade é que acontece com assustadora regularidade no futebol (e em muitos outros eventos desportivos), não raras vezes com a complacência e até o riso cúmplice da bancada.
Em Hamburgo foram os adeptos que limparam o racismo da sua bancada. Não esperaram por Comissões de especialistas, não confiaram nas "autoridades", não aguardaram pela acção mediaticamente pressionada do Clube. Tomaram o assunto nas suas mãos e em meia-dúzia de anos o Sankt Pauli transformou-se num clube símbolo da luta contra as discriminações e a intolerância.
Com raríssimas excepções não creio que existam clubes racistas. Mas existe racismo nas bancadas de quase todos os estádios e pavilhões. No Restelo, que frequento, ouvem-se aqui e ali gritos racistas e homofóbicos que não representam de forma alguma a massa associativa e adepta do meu Clube... mas não podem ser ignorados. Cabe aos adeptos actuarem no seu âmbito e na sua zona específica de intervenção. Se alguém com o cachecol do Belenenses chama "preto do caralho" a um adversário é obrigação dos belenenses à sua volta fazerem-no sentir que assim não é bem vindo ao nosso estádio e à nossa bancada. Se alguém com o cachecol do Belenenses insulta um jogador, árbitro ou treinador por este ser (ou por se dizer "que é") homossexual, é obrigação dos belenenses à sua volta fazerem-no sentir que assim não é bem vindo ao nosso estádio e à nossa bancada.
O racismo, a homofobia, o sexismo e todas as manifestações de intolerância e ódio não têm lugar no desporto (nem fora dele). Cabe aos adeptos cuidarem da sua bancada. Repito: cabe aos adeptos cuidarem da sua bancada. E cabe aos sócios cuidarem do seu Clube. Se não o fizerem perdem o direito de o afirmar como "diferente".
* não confundir com radical.
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