50+1



"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.", Bertolt Brecht
O futebol - mais do que qualquer outra modalidade desportiva - é um contexto de caricaturas exageradas. No fim-de-semana que passou a caricatura foi dos adeptos alemães que recordaram ao país e ao mundo desportivo que a regra 50+1 não é um pormenor na sua relação com o jogo, e que estão na disposição de a defender, com ou sem o apoio daqueles que se alimentam da sua paixão, jogadores incluídos.

Sobre o assunto manifestou-se o presidente da Liga de Clubes profissionais de futebol Pedro Proença, referindo-se aos adeptos alemães de vários clubes como "minoria criminosa", numa demonstração de falta de visão que não surpreende quem vem acompanhando com um mínimo de atenção o vazio da sua presidência.


Proença não perde uma boa oportunidade para mostrar ao que vem e de que lado se situa numa luta que está aí e que não pode ser ignorada por quem tem um mínimo de interesse acerca do desporto em geral e do associativismo desportivo em particular. Vale a pena recordar o seu papel no conflito que desde há vários anos opõe o Belenenses à empresa que controla a sua ex-sociedade anónima desportiva: sempre ao lado de Rui Pedro Soares, incluindo através declarações falsas sobre a sua acção neste contexto.

A regra 50+1 diz muito simplesmente que de forma a poder competir no contexto da Bundesliga os clubes alemães devem controlar pelo menos 50%+1 das participações da sua estrutura accionista, o que lhes garante maioria na tomada de decisão relativa aos seus assuntos internos. A regra conhecia duas excepções historicamente enquadradas e, recentemente, uma outra que os adeptos de toda a Alemanha contestam: o 1899 Hoffenheim que é agora maioritariamente controlado pelo milionário Dietmar Hopp.

Deixo de lado a discussão pouco ou nada interessante acerca dos insultos dirigidos à figura em si porque creio que neste debate o que verdadeiramente interessa é o princípio: devem ou não as instâncias reguladoras do futebol exigir aos emblemas que participam nas suas competições - profissionais e amadoras - fazer provas de que não apenas controlam 50%+1 das participações na sua estrutura accionista como também estão a salvo de alçapões e esquemas que permitam a figuras e participações minoritárias controlarem de facto a tomada de decisões de gestão?

Eu considero que sim, sobretudo nos países em que a tradição associativa é centenária e se encontra ligada à iniciativa popular "de base".

A soberania associativa não salvaguarda os clubes de formas de gestão desajustadas e por vezes desastrosas, mas permite:

1. Que os associados controlem no fundamental as decisões de gestão - determinando regras, corrigindo rumos e alterando protagonistas - sempre que o entenderem;
2. Que os clubes mantenham formas de funcionamento democrático, permanecendo o poder final nas mãos dos seus sócios e dos seus fóruns associativos, com destaque para as Assembleias Gerais de Sócios;
3. Que os clubes não sejam utilizados para outros fins que não aqueles que se encontram inscritos nos seus estatutos e que correspondem aos seus princípios fundadores;
4. Que indivíduos ou instituições sem qualquer ligação prévia à sua história, cultura, princípios, raízes e outros elementos identitários sejam impedidos de, por via do investimento de capital, tomar posições determinantes nos Clubes e suas estruturas associadas;
5. Promover competições mais equilibradas e interessantes para os adeptos dos vários emblemas envolvidos, naturalmente diferenciados por via da sua influência associativa, correspondente capacidade financeira e historial.

Impõe-se a implementação da regra 50+1 em Portugal, consagrando-a na lei e nos regulamentos das diferentes federações desportivas e "Ligas" (quando existirem).

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