Isto não é uma oportunidade, é um colapso


Não sou fã de "O eixo do mal". Vejo o programa quando por acaso o apanho e raramente por mais de dez minutos. Esta semana consegui acompanhá-lo quase do princípio ao fim e não dei o tempo por mal empregue. Retive algumas ideias, estando de acordo com umas e em desacordo com outras, e fixei um desabafo de Clara Ferreira Alves que me parece uma boa síntese dos tempos que vivemos e daqueles que se aproximam: "isto não é uma oportunidade, é um colapso".
A ideia de colapso não é uniforme a partir de todos os prismas. Há quem a perceba como uma degradação progressiva e há quem a associe a uma derrocada abrupta. Carlos Taibo, anarquista galego que escreveu um livro sobre o tema, dedicou o primeiro capítulo da obra às definições de "colapso", tal a necessidade de se perceber do que falamos quando debatemos ou escrevemos sobre o tema. O colapso é um processo ou um momento? Uma sucessão de acontecimentos ou um incidente de larga escala e profundo impacto? Taibo resume desta forma os aspectos essenciais do conceito de acordo com as várias abordagens descrita no seu livro:
"um golpe muito forte que perturba muitas relações, a irreversibilidade do processo consequente, profundas alterações no que se refere à satisfação das necessidades básicas, reduções significativas do tamanho da população humana, uma perda geral de complexidade em todos os âmbitos, acompanhada de uma crescente fragmentação e de um retrocesso dos fluxos centralizadores, o desaparecimento das instituições previamente existentes e, por fim, a falência das ideologias legitimadoras e de muitos dos mecanismos de comunicação da ordem anterior."

É difícil para já perceber quais das características do colapso em perspectiva se efectivarão foram do mundo das ideias, aplicando-se em concreto à vida das comunidades humanas neste "durante" e depois no "pós-pandemia". Não sabemos de resto o que será o "pós-pandemia", quando chegará e se sequer chegará, não obstante as declarações com intenção tranquilizadora dos responsáveis políticos dos regimes vigentes.
O que já me parece óbvio são as implicações - e a verificação das mesmas - na complexidade ("em todos os âmbitos") do mundo actual. Paul Virilio já as havia abordado em "Cibermundo: a política do pior", género de grande entrevista a um dos homens que mais advertiu para os perigos da revolução "cibernética" bem como para os problemas da crescente complexidade surgida das redes de interdependência(s) que dominam as sociedades humanas actuais...
"O risco não é pois o do acidente local, situado com precisão, mas de um acidente global que atingiria, senão o planeta no seu conjunto, pelo menos a maioria das pessoas interessadas por estas teletecnologias."

As "teletecnologias" de Virilio substituem-se no contexto presente por todos os mecanismos de complexa interdependência global nas quais assenta hoje a economia planetária, um modelo de prescindiu das ideias de biorregião, resiliência local/comunitária e soberania.
A velocidade das comunicações humanas, da circulação de pessoas e bens, potenciou e potencia o risco e a efectiva transmissão do vírus que ameaça as comunidades. As vantagens da vida "instantânea" que vivemos transformaram-se rapidamente nas desvantagens do contágio quase "instantâneo" que procuramos conter a todo o custo. A resposta à complexidade do momento é a procura da simplicidade do isolamento. A forma de vida desequilibrada que parece ter potenciado a pandemia gerou nas sociedades humanas uma resposta de reequilíbrio violento, que soa para muitos a um novo desequilíbrio, porque estamos a substituir o tempo da máquina (o instantâneo) pelo tempo do Homem (muito mais lento e frustrante, por não potenciar os prazeres diversos e imediatos que se foram transformando no quotidiano individual e colectivo das sociedades mais ricas do planeta).
Taibo, o anarquista, aponta para uma resposta alternativa para o Colapso que lhe pareceu eminente, ainda que desconhecendo os seus contornos concretos. Esta resposta assenta em alterações radicais em oito domínios relacionados: a energia, mobilidade e matérias primas; a tecnologia; as relações económicas; as relações sociais, saúde e educação; a vida política: autogestão e democracia directa; a desurbanização;a rerruralização; e por fim o conhecimeno.



O que me parece evidente é que o colapso não é uma oportunidade, nem ao colapso se deve seguir a reconstrução das suas causas mais evidentes, como Sísifo que depois de ver a pedra rebolar montanha a baixo se põe novamente a rolá-la montanha a cima, para a ver seguidamente rolar novamente até ao sopé do monte que subiu, num género de interminável ciclo do absurdo.

O debate está lançado, mesmo que em simultâneo com a urgência das respostas imediatas. Não lhe dar corpo e substância será contribuir para que nada mude e tudo fique na mesma.

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