Da urgência da revisão da lei das SAD (3)



O argumento da gestão racional como vantagem fundamental da gestão privatizada das sociedades anónimas desportivas em desmentido em Portugal por inúmeros exemplos. Olhemos para o caso do número de treinadores em sociedades controladas por "investidores"; no CD Aves, por exemplo, entre o início da temporada 2015/2016 e a interrupção da temporada 2019/2020 em nenhuma época a equipa foi orientada por um único treinador:

  • 2015/2016: Abel Xavier e Ulisses Morais
  • 2016/2017: Ivo Vieira e José Mota;
  • 2017/2018: Ricardo Soares, José Mota e Lito Vidigal
  • 2018/2019: José Mota e Augusto Inácio
  • 2019/2020: Augusto Inácio, Nuno Manta e Leandro Pires 
Na verdade, muitos investimentos em sociedades anónimas desportivas custam a explicar, por não se identificar neles nenhuma razão clara e de peso para a compra de posições accionistas maioritárias, com a respectiva resolução imediata de problemas de tesouraria que quase sempre se impõe...

O caso do CD Santa Clara
A "SAD" do CD Santa Clara foi criada em 2010. Na circunstância o Clube ficou proprietário de 40% das acções, o máximo permitido por lei, sendo as restantes acções distribuídas por dirigentes do emblema açoriana. O então presidente Mário Batista passou a ser o accionista com maior número de acções (47,6%).
Menos de dois anos depois o CD Santa Clara é considerado insolvente, ficando aberto o caminho para a entrada de capital sem qualquer ligação ao Clube. O processo não havia de ser simples, envolvendo conflitos internos, decisões de tribunal que criaram impasses e o envolvimento de "investidores" com interesses no futebol nacional. Ismail Uzun, o turco que mais tarde viria a controlar a SAD da AD Oliveirense, emblema de Famalicão, chegou a acordo com Batista para a compra dos seus 47,6% mas o negócio ficaria sem efeito, num processo feio, complexo e de difícil compreensão envolvendo créditos e contas entre as partes.
Os 47,6% voltaram ao Santa Clara que os vendeu logo de seguida à Azul Internacional Lda, empresa detida por Khaled Saleh (10%) e pela Portadmiral Investments Lda (90%), esta última detida a 100% pela Capital United Group Ltd por sua vez detida a 100% por uma pessoa singular... Complexo? Sim, mas normal no estranho mundo dos investimentos privados em pequenas SAD de futebol em sérias dificuldades financeiras.
A Portadmiral, proveniente de Singapura, investiu num pequeno clube açoriano com um reduzido número de associados, que por exemplo na temporada 2019/2020 teve uma média inferior a 2.000 pessoas nas bancadas dos seus jogos, se descontados da média os jogos frente a Benfica, Sporting e Porto. No jogo da Taça da Liga frente ao Casa Pia, a assistência não foi além das 379 pessoas, assistência a fazer corar de vergonha muitos jogos das competições distritais.
É todavia certo que para a temporada 2018/2019 o Governo Regional açoriano concedeu ao CD Santa Clara um apoio de um milhão de euros, mais de metade da verba total atribuída aos clubes da região. Pouco depois, no final de Outubro de 2018, a comissão de vencimentos daquela SAD demite-se. A razão? Os aumentos de remunerações dos administradores da sociedade que passaram a auferir salários entre os 10.523,00€ de Rui Cordeiro, presidente da SAD e do Clube, e os 7.500,00€, accionista minoritário da Azul Internacional Lda, a dona da posição accionista mais relevante da SAD. Isto num Clube/SAD que anunciava precisamente nessa altura um passivo de cerca de 8.000.000,00€ (oito milhões de euros), dos quais 2,6 milhões respeitantes à sociedade anónima.
Que interesse tem a Azul Internacional Lda na SAD que controla? No plano desportivo e associativo nenhum, parece-me.

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