James McClean: a papoila e o "passa montanhas"

Comecemos pelas apresentações e pelos factos: James McClean é jogador de futebol profissional, actualmente ligado ao Stoke City FC, clube inglês que disputa o "Championship", género de segunda Liga local. McClean é irlandês nascido em Derry, provavelmente um dos locais de maior tradição nacionalista no norte da Irlanda, conhecido pelo seu forte apoio ao Exército Republicano Irlandês, o IRA.
Durante o período de quarentena profilática que atravessa, McClean publicou na rede social Instagram uma fotografia sua (e dos filhos) na qual aparece usando um "passa montanhas". À imagem acrescentou a frase "Todays School lesson — History".
A polémica não demorou e em menos de nada a conta do jogador no Instagram foi removida e com ela todas as imagens e textos que nela existiam. McClean lamentou o sucedido e o Clube aplicou-lhe uma multa de duas semanas de salário. Só que o assunto não ficou encerrado…
A simpatia do jogador pela causa da unificação dos dois territórios irlandeses não é de agora e manifesta-se de várias formas bem visíveis aos olhos daqueles que acompanham a sua carreira. Para lá das tatuagens com mensagens bem esclarecedoras acerca das suas convicções políticas, James McClean recusa desde há anos usar o símbolo da papoila – género de ícone da memória e do luto inglês relativamente aos soldados caídos durante a Guerra de 1914-1918 - no chamado "Remembrance Day". Em 2015, durante uma digressão do West Bromwich Albion, que representava, manteve-se desalinhado durante a cerimónia de hinos, desprezando o “God Save the Queen” que tocava no Estádio. E o futebol, que parece moldado à medida da memória de peixe de aquário de alguns adeptos mais centrados na espuma dos resultados, raramente esquece ou perdoa.
As manifestações políticas por parte de atletas de alta competição em momentos de grande exposição mediática não são novas nem exclusivas do futebol. Recordar os punhos erguidos de Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos de 1968 será trazer à memória apenas um dos casos mais conhecidos e uma das imagens mais icónicas do século XX desportivo. Mas nem todas as manifestações celebram a liberdade ou a luta pela igualdade. A extrema-direita tem os seus ícones no mundo do desporto, mas mais do que jogadores de braço estendido ou pugilistas com suásticas tatuadas, o que mais impressiona é o progressivo desligamento dos atletas (a maioria dos quais oriundos das camadas populares) face aos problemas diário, profundos, evidentes e galopantes do povo que os pariu. O silêncio – a inacção – é uma impressionante manifestação política de conformidade face ao horror do capitalismo.
O que McClean fez, para depois desfazer, foi recusar a triste sina do atleta notado e bem pago que se cala perante a necessidade de passar despercebido. Porque se for para ser notado a “indústria” prefere os motivos bem menos nobres que no fundo a caracterizam, como a fuga a impostos, quase sempre "compensada" com pífias acções de propaganda desenhadas nos departamentos de comunicação e marketing de clubes, fundos, "agências de carreiras" e outros antros que tais.
No futebol, como noutras dimensões do processo histórico, "a cultura dominante é a cultura da classe dominante". E quem o domina já não são nem os adeptos nem aqueles que o catapultaram para o estatuto de secção popular da "indústria do espectáculo". A captura do poder por parte de expressões várias do poder financeiro, incluindo pela banca comercial, credora de avultados empréstimos que nunca esperaram recuperar, determinou a imposição de princípios antagónicos aos do associativismo popular que esteve na génese da generalidade dos clubes, depois transmutados em "sociedades anónimas desportivas".
Aos jogadores, simultaneamente vítimas e beneficiários do futebol-negócio, parece restar uma opção de fundo: sufocar a liberdade, e com ela a expressão concreta da ligação à sua comunidade de origem (ou adopção), ou exprimir sempre que a oportunidade surgir aquilo que sentem, pensam e fazem relativamente às questões mais prementes do destino colectivo a que inevitavelmente se vinculam.
A segunda opção exige coragem, inteligência e sentido de oportunidade, o que nem sempre é fácil de juntar.
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