Sunderland e a narrativa escolhida

A segunda temporada de "Sunderland Till I die" está aí e já li que a terceira pode ser antecipada, aproveitando as quarentenas por esse mundo fora. A Netflix não brinca em serviço e os filmes-documentais desportivos (e agora também a ficção, com "The English Game") são hoje um produto de consumo apetecível e com saída. Mérito a quem se lembrou de explorar o filão.
Confesso que gostei da primeira temporada da série. Se o nome do clube não me era de todo estranho, a sua realidade - desportiva, institucional, económica e social - foi uma completa surpresa.
Esta ignorância relativamente ao que era o Sunderland beneficia de certa forma os criadores da série. É que não estava - não estávamos, a esmagadora maioria dos espectadores - em condições de perceber se a narrativa adoptada relativamente ao clube, à comunidade e aos problemas quotidianos da empresa que gere o nome e o emblema correspondiam ou não à verdade dos factos. E isso torna-nos, meros espectadores, num género de alvos fáceis para o sentimento de ligação ao clube, aos adeptos e à série que nos leva a ver mais e mais episódios. Na boa, faz parte do negócio.
Seja como for, uma narrativa é sempre uma visão particular de um contexto ou cenário mais amplo e complexo, que pode ser observado, analisado, descrito e dissecado de outros ângulos. Como quase tudo na vida.
Assim, quando parti para a segunda temporada de "Sunderland Till I die" adoptei uma postura mais cautelosa, menos crente na visão apresentada. Creio que fiz bem.
"Sunderland Till I die" explora o efeito dramático de problemas que no futebol inglês não afectam apenas o emblema dos dois leões negros. O que torna o caso do Sunderland mais impressivo é o facto do clube ser efectivamente um dos históricos do futebol inglês, com seis títulos principais, o que não é de todo coisa pouca. Porque de resto a paixão dos adeptos da cidade vizinha de Newcastle pelo seu emblema não é quantitativamente superior aos do Portsmouth, no sul do país, e pelo meio de dezenas de emblemas que representam cidades orgulhosas da sua equipa de futebol.
Num dos episódios da segunda temporada surgem imagens de um Sunderland x Barnsley que termina com a vitória da equipa da casa por 4-2. A marcha do resultado, que a série não refere, nunca colocou o Sunderland a perder, tão pouco em igualdade no marcador após o 1-0. Mas as imagens sugerem drama e apreensão através dos clips do jogo. O espectador ficará na melhor das hipóteses confuso, na pior delas enganado acerca das circunstâncias da partida.
Não é de todo a única confusão propositada que a série sugere. Um dos episódios trata a relação dos novos donos, e de um deles em particular, com Sophie Ashford, uma das responsáveis do marketing do Clube. Nas cenas finais do episódio em causa Sophie aparece a despedir-se emotivamente de colegas de trabalho, ficando implícita a ideia da sua saída do clube. Só que isso na verdade não aconteceu.
A série é extremamente interessante e informativa, mas é entretenimento acima de tudo e isso por vezes implica torcer a realidade, emprestando-lhe o drama que frequentemente... não tem.
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