Da urgência da revisão da lei das SAD (6)

A lei das SAD tem perto de um quarto de século em Portugal, embora nem todas as SAD constituídas tenham essa longividade. O Sporting foi o primeiro clube nacional a constituir uma sociedade anónima desportiva, no âmbito do seu futebol, e depois disso muitos foram os clubes de vários níveis competitivo e de várias modalidades a constituirem sociedades comerciais destinadas a gerir "empresarialmente" as suas actividades económicas e desportivas.
É sabido que a lei das SAD forçou vários emblemas - nomeadamente aqueles que à data da entrada em vigor da lei disputavam as competições profissionais - no sentido de avançarem para a formação de uma de duas opções: sociedades anónimas desportivas ou sociedades desportivas unipessoais por quotas. Foi um errro relativamente ao qual o Estado e "o legislador" não fez ainda o devido acto de autocrítica e correcção.
A lei das SAD padece de problemas vários que se agrupam em duas categorias: as suas insuficiências, no quadro legal que resultou da sua aprovação; e os seus erros evidentes, que superam largamente as insuficiências nas consequências já demonstradas ao longo de mais de 20 anos da actividade das sociedades anónimas no desporto.
Primeiro erro
O primeiro e mais fundamental dos erros foi (é) a obrigação legal que é imposta aos clubes no sentido de constituírem sociedades comerciais para poderem participar nas competições profissionais, nomeadamente de futebol (Primeira e Segunda Ligas). Não existe hoje nenhum argumento válido para a defesa da obrigatoriedade deste princípio. Quer isto dizer que o legislador deveria alterar a lei no sentido de não impor aos Clubes a obrigação da personalização do seu futebol profissional. Não faz sentido, não previne erros nem más práticas de gestão, não facilita a captação de "capital" e abre as portas a uma série de problemas para cuja resolução a lei não aponta.
Sendo absolutamente certo que um Clube que queira participar em provas profissionais deverá sempre fazer prova do cumprimento de uma série de requisitos considerados mínimos para se poder qualificar administrativamente para as competições, não faz sentido que a isso tenha que juntar a criação de uma sociedade comercial não por opção própria, mas por obrigação imposta pela lei.
Segundo erro
O segundo erro, que em 1997 era visto como a solução para o desporto profissional se "abrir à sociedade em geral", é a limitação da participação dos Clubes a 40% do capital das sociedades. Em primeiro lugar porque os clubes encontraram logo formas de contar a lei através da criação de empresas sob o seu controlo efectivo que foram garantindo pelo menos 50%+1 do capital durante alguns anos. Este esquema não apenas não se encontrava "no espírito da lei" como foi uma das portas de entrada de muitos investidores no capital das sociedades anónimas desportivas, um género de "pé na porta" que conduziu rapidamente muitos clubes a uma situação de efectiva minoria e absoluta perda de poder nas decisões essenciais da esfera das sociedades anónimas de que haviam sido fundadores...
Terceiro erro
O terceiro erro foi, na minha perspectiva, a lei não prever quaisquer mecanismos de reversibilidade sem perda de direitos por parte dos Clubes fundadores. Quer isto dizer que os clubes foram em muitos casos forçados a constituir SAD ou SDUQ, e que depois se viram impossibilitados de reverter essa decisão sem perda de direitos, nomeadamente no plano desportivo.
As insuficiências da lei são de resto por demais conhecidas, tanto ao nível
- da transparência (o advogado Veiga Gomes refere por exemplo que a lei das SAD impossibilita que se saiba quem são os seus donos, o que por vezes não é nada evidente) e
- da partilha de informação com os Clubes e respectivos associados (procurem os relatórios de gestão e as contas das sociedades anónimas nos sites dos vários Clubes que as constituiram... mas com tempo e paciência!)
- como ao nível de aspectos práticos fundamentais, como clareza sobre a possibilidade do Clube fundador se desfazer totalmente da sua participação na sociedade ou sobre regras sancionatórias (em que a lei é omissa) no sentido de penalizar as infracções à legislação protagonizadas pelas entidades com maioria do capital social das sociedades anónimas desportivas.
É hoje absolutamente evidente que a lei não serve. Governo, parlamento e FPF não podem ignorar - não ignoram de todo - que a lei é um problema que a prazo se pode avolumar, chegando mais cedo que tarde aos clubes ricos e poderosos que se afundam em dívida a bancos, e que a médio prazo podem ser apeados do poder que pensam que têm. E se a percepção relativamente aos múltiplos problemas decorrentes da lei existe a pergunta é simples: porque raio não se muda a lei?
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